SÃO TODOS UNS POIAS
21 de fevereiro de 2000
Assis é mais um dos excelentes jogadores que o Brasil produz e seca na fonte,
por ter horror a chutar em gol. Quer ensinar ao irmão Ronaldinho, o Gaúcho, a
não se preocupar com os outros, a só pensar em si, em suma, a não passar a bola
e concentrar-se em fazer gols, nem que seja de canela. Ser artilheiro para
ganhar mais dinheiro. Óbvia rima para uma poesia fracota inspirada nos 80
milhões de dólares que o Leeds United ofereceu no último leilão dessas Câmaras
de Artes que o futebol inaugura em cada palco iluminado do mundo globalizado.
Quase o mesmo preço alcançado por um quadro de Van Gogh abiscoitado por um
desses colecionadores sem face.
O Brasil vive de pactos selados que
rotulamos de exóticos, na impossibilidade de se escolher o adjetivo mais
apropriado. Como a aliança entre o PSDB e o PTB, excluindo o PFL, a fim de
aprumar a governabilidade da “Nau sem Rumo”, que virou enredo de bloco de
carnaval. De um lado, Aécio Neves, o neto de Tancredo, o presidente-símbolo da
abertura política que não tomou posse porque não chegou a tempo. De outro,
Jefferson, nos seus inconfundíveis 150 quilos, da tropa de choque de Collor,
fiel escudeiro até o último instante do
impeachment. A suspeita de maquiavelismo largou no ar um cheiro desagradável
de imoralidade, que entonteceu Bornhausen, declarando-se “não acostumado a
jogadas rasteiras e manobras obscuras”.
Talvez eles saibam lidar melhor com
realidades como a do cadastramento de pescadores nas comunidades atingidas pelo
vazamento de óleo na Baía de Guanabara. Eu ainda me espanto com as ameaças de
morte vindas de traficantes de drogas com aspirações políticas, que impõem nomes
sem qualquer ligação com atividade pesqueira.
Os “R” acumulam êxitos, seja qual for o
esporte, e os Ronaldinhos redimem a nossa imagem no exterior de escravagismo e
maus-tratos à doméstica. Até que não é mau o conselho do Santo Assis tupiniquim,
considerando-se que o prefeito Conde jactou-se da prisão de Rosimari por fazer
topless. Seus seios viraram marca do verão 2000 e destaque no carro “Em teu
seio, ó liberdade!” da escola de samba Acadêmicos de Cubango.
A dupla gaúcha podia até acusar a
intelectualizada classe formadora de opinião de que Vampeta só não ganhou o
prêmio Mário Peixoto - de contribuição ao cinema - porque foi roubado mais uma
vez por esses juízes de futebol, digo, jurados de cinema. O Oscar naturalizado
no Quitandinha foi para o veterano Orfeu, que colheu vaias do público
insatisfeito com a injustiça cometida contra o Vampeta. Afinal, ele restaurou o
cinema de Nazaré, na Bahia, sua terra natal.
Pior é o jiu-jítsu, vale-tudo e judô se
atracando no meio da rua, em boates - Ilha da Fantasia e nas confederações, com
acusações generalizadas de homossexualismo, provocando a justa ira dos gays,
porque falam, falam e não praticam. Robson, o enjeitado da família Gracie,
perdeu as estribeiras, “é muito feio dois homens peludos se atracarem, duas ou
mais mulheres não, é sensual” ou “DNA nenhum seria capaz de provar filho meu
gay”. Ryan, o filho, se auto-intitula Billy the Kid, o duelo é a via mais rápida
para calar a boca desses infames.
Todos fariam melhor negócio em lerem as
memórias de Nelson Motta, que abre o baú em “Noites Tropicais” e confessa que
colocou chifres no Ronaldo Bôscoli ao se apaixonar pela Elis Regina. Sentiu
culpa em ferir seu guru, que morreu sem acusar o golpe. Ambos tricolores,
Nelsinho queria ser como ele, “com todo aquele charme, comendo aquelas mulheres
todas, saber todas aquelas malandragens, contar aquelas histórias, e morar
naquela cobertura de Ipanema”.
Estamos vivendo uma época em que nos
cansamos de fingir ser virtuoso. Abrimos o verbo sem o menor pudor. Cada um
escancara do seu jeito. Para evitar de ser tachado de hipócrita. Melhor ser
vilão do que bonzinho. Bonzinho é vira-lata, o pontapé ronda o seu destino.
Parece que nada mudou desde que Mário de
Andrade ameaçou a integridade do povo brasileiro com a preguiça de Macunaíma.
Que gente lerda de pensamento. São todos uns poias.
Ronaldinho, segue o conselho do teu
irmão!
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