NINHO DE COBRAS
3 de abril de 2000
Rubens Barrichello precisa entender que antes dele vieram Fittipaldi, Piquet e
Senna, que colocaram o Brasil no pódio, ao lado do futebol e samba. Acostumaram
mal o torcedor com os oito títulos de Fórmula 1, elevando mais ainda seu padrão
de exigência, regado a champanhe.
Absolutamente cabe compará-lo com Ayrton Senna, considerado pelo Fangio como o
maior de todos os tempos. Mas ele teve de enfrentar a Federação Internacional de
Automobilismo para sobrepujar Prost, alijando-o do GP do Japão logo na primeira
curva para se sagrar campeão. Ele, que era bonzinho, teve que ser mauzinho.
Jamais aceitaria ser depreciado em comerciais abordando a lentidão de seu
provedor e a dificuldade em provar sua perícia
Quando Rubinho exalta a torcida pela festa que fez em Interlagos e contemporiza
suas impressões sobre o desempenho - para não cutucar a onça com vara curta - é
como se deixasse sair pela tangente da curva a fim de evitar a colisão.
Fittipaldi é do tempo em que se podia vencer largando em último. Fingia-se de
morto, explorava as deficiências dos outros e, em fim de carreira, proporcionou
a antológica vitória de Indianápolis, encostando de leve no Al Unser Jr. para
jogá-lo fora da pista, impedindo que o ultrapassasse nos segundos finais da
prova. Ou seja, o barão é malandro.
É comovedor um filho arrancar lágrimas de emoção do pai por ter conseguido
arrastar a torcida paulista a vestir a camisa Ferrari, pegando uma carona na
Itália para esquecer o verde-amarelo manchado na paulicéia desvairada. Chegar
onde chegou nos faz lembrar de nossas origens, é fatal as lágrimas escorrerem e
se exaltar a pátria. De nada adianta. No Brasil, se não ganhar, não é de nada. E
quando vier a ganhar, ostentará o recorde do piloto que mais disputou corridas
para vencer a primeira.
A Fórmula 1 não comporta vacilos nem meios-termos ao melhor estilo tucano. Para
ultrapassar, a postura agressiva é obrigatória, senão surgem boatos de que
tremem nos momentos decisivos. Piquet, bad boy assumido e aperfeiçoado
nas disputas com Nigel Mansel, se entedia com Barrichello porque demora a passar
à frente, cautela essa adquirida no “e o tempo levou” para firmar-se
financeiramente nos primeiros anos da categoria.
Rubinho é da mesma geração de Ronaldinho, que parou de afirmar que “quando
voltar a jogar serei o melhor do mundo de novo”. Para quem sofreu uma cirurgia
grave no joelho, virou robocop e perdeu a agilidade - adquirindo uma
notável facilidade para engordar -, jogar por si só, com seu ótimo futebol, já é
estar no lucro.
Barrichello
é contemporâneo de Ronaldinho, não conquistou nenhum grande prêmio e não revela
apetite para procurar o gol e correr para o abraço. Só quer saber de jogar para
a platéia ao sambar num estranho estilo que só os paulistas assimilam. O
bom-mocismo de Rubens contra a empáfia de Schumi, que se envaidece da
unanimidade sobre o seu caráter. Não tem o pudor de Prost para atropelar Senna,
não hesita em prejudicar o atrapalhado Hakkinen. Vale considerá-lo falso só
porque foi tomar baldes de caipirinha na mansão dos Barrichello? Ingenuidade
empregar tal termo nesse circo em que roubar a mulher do compatriota e
companheiro Frentzen é reclamação antiquada.
Nesse antro, Rubinho irá se criar? É
como enfiar a mão num ninho de cobras e esperar que o veneno se transforme em
sangue.
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