PAU-DE-ARARA
29 de maio de 2000
A tortura no Brasil evoluiu muito, desde
o tapa-ouvidos aplicado no matuto até o pau-de-arara sofrido por quem ousasse
encarar os óculos escuros do ditador. Consiste na passagem de um pedaço de pau
debaixo dos joelhos do preso, que fica suspenso de cabeça para baixo. Segundo
Cid Benjamim, a criação se originou em um nordestino retirante num caminhão sem
espaço para se acomodar e que se tornou policial, adaptando a experiência para
interrogatório. É a única situação em que o sangue sobe à cabeça e você não pode
reagir. Acrescente-se golpes, afogamentos e choques elétricos enquanto
pendurado. E ai de quem não acreditasse que a corrupção teria o mesmo fim da
saúva no Brasil.
O empresário Jorge Yunes rechaça a pecha
de comunista e se declara cristão, ao não ter apego a dinheiro e dar empréstimos
a amigos, ou melhor, a Deus. Reconheceu de público que a estabilização da moeda
promovida por FHC aviltou e desmoralizou os salários dos políticos, obrigando a
ele a emprestar para o ex-funcionário de Maluf a quantia de R$800 mil em
pingadas parcelas. Em dinheiro vivo, já que abomina cheque ou cartão de crédito.
Desafiado sobre a quantia que costuma levar no bolso, não titubeou e jogou na
mesa maços e maços de notas de R$50. Cutucando com vara curta seqüestradores,
ladrões e a banda podre.
Mundo neoliberal inseguro que torna
atraente inversões maciças em cemitérios, como o de São João Batista, cuja
expansão, em direção ao subsolo, se encontra na prancheta do arquiteto. O que
vem tirando o sono de moradores de Botafogo, pois implicará na desvalorização de
suas moradias. Positivamente, o Primeiro Mundo lida melhor com a morte, haja
visto a Recoleta, com seus restaurantes, bares e museus, dividindo o espaço numa
boa com Evita Perón, hospedada no cemitério ao lado - justo motivo de orgulho
para os argentinos. Bem como o Père Lachaise, em Paris, cujas tumbas de Balzac e
Molière se transformaram em ponto de visitação turística.
Custou, mas esgotou-se a paciência do
povo. Cansados da democracia que impera no país, no qual fazer manifestação para
defender pontos de vista não encontra eco, estudantes, sindicalistas e
servidores públicos partiram para a bordoada. Quebraram um ovo no Serra e
acertaram o quengo de Covas, que plagiou Zagallo: “vocês vão ter que me engolir,
seus panacas e fascistóides, nunca souberam o que é democracia!” E pegaram
pesado com Ciro Gomes, ao atingir a candidatura de sua ex-mulher à prefeitura de
Fortaleza, com o adesivo: “Patrícia Gomes: nem Ciro agüenta”.
Sai pra lá, Satanás, desconjuro! Oremos
na missa dominical das onze na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Em
corrente com uma senhora baixota, rechonchuda, de óculos escuros e braços
tatuados com panteras e medusas, que reza fervorosamente em agradecimento,
depois de um longo período de reclusão, por ter se livrado da dependência
química e voltado à ativa como produtora artística. Abre o verbo para alardear
sua fase careta, a vovó pop. Já vão longe os tempos em que a ex-sacerdotisa do
Movimento Anarquista Tropicalista Energético (MATE) se casou no edifício-garagem
Menezes Cortes para delírio dos adversários políticos de seu pai. Parece
mintchura. Mas não é, passou o cetro para Narcisa Tamborindeguy depois que
Liz Taylor finalmente desistiu de procurar outro Richard Burton: “Eu, casar-me
outra vez? Não sou tão estúpida!”
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