SÓ FALTA PÔR O ALFABETO NA ORDEM CERTA
10 de julho de 2000
Há quem goste de se ensaboar todo a
ponto de desligar o chuveiro para vasculhar os recônditos rincões do corpo,
esfregando, lixando e espanando a sujeirada encruada no contato com eu, tu,
eles, que nos obrigam a ensaboar mais e mais para se tornar um sujeito
escorregadio.
O DNA humano foi decifrado e abre um
novo portal na ciência, conquista comparada à anestesia geral, mumificação,
sabonete. Os cientistas chegaram ao primeiro rascunho do genoma, o
alfabeto do homem que diz quem ele é. Agora só falta pôr as letras na ordem
certa e escrever as frases que redundarão num ser humano remoçado por uma
alfabetização condigna de uma espécie que não estimule suas feras domésticas
abocanharem pescoços de crianças.
A descoberta porá em xeque a terapia de
vidas passadas e o kardecismo, porque existem genes loucos para denunciar os
velhos mistérios da fatalidade, do catastrofismo e do apocalipse em atos e fatos
determinados pelos instintos básicos que, às vezes, nos levam a pensar o que
nossos pais fizeram conosco décadas antes, que culpa tenho eu para carregar os
desatinos de nossos ancestrais? Certo é o fim às doenças incuráveis e aos
efeitos colaterais, alargando a duração de vida, incerto é para fazer sabe-se lá
o quê. Talvez identificar suspeitos de crime com mais precisão e nariz de
Pinóquio em políticos cujo limite é o céu.
Já que o DNA humano guarda os segredos
sobre passado, presente e futuro, que tal começar pelo despejo de lixo químico
em aterros clandestinos visitados por pais à cata de restos de alimentos?
Enquanto Ivanete, de 1 ano e 5 meses, ingeria cianeto na brincadeira de
gato-e-rato entre prefeito, elite e miseráveis. O que dizer do cantor Rafael,
ex-líder do grupo Polegar, internado depois de engolir duas pilhas de tamanho
médio? Anteriormente, o objeto da gula se concentrara em uma pilha, três
isqueiros e uma caneta, gosto adquirido e desenvolvido no lixo da mídia.
Provavelmente para não ser obrigado a tomar a mesma atitude que os traficantes
de drogas do Morro do Cavalão. Cansados de serem achacados pelos policiais que
ocuparam a favela, ordenaram aos moradores que telefonassem para o
disque-denúncia. Mas que outro comportamento eles queriam da polícia, se
assaltam o campeoníssimo Romário, a esfuziante Claudia Raia e até o bicheiro
Luizinho Drummond? Mas quem manda esses novos-ricos andarem por aí com seus
Cherokees, Rolex e celulares? Pior é ficar entre a cruz e a caldeirinha, como o
camelô confundido com traficante que obrigou a polícia a mascarar seu erro,
seqüestrando-o para exigir da família um módico resgate.
É por isso que o amor não é mais lindo e
só constrói. O casamento de Michael Douglas e Catherine Zeta-Jones corre o risco
de melar por não chegarem a um acordo sobre as bases de um futuro divórcio,
deixando ela angustiada ao ver a barriga crescer e o vestido de noiva se rasgar
de ódio, por não estar à cata de fortuna. Mas como qualquer um de nós, mortais,
também não quer ser lesada!
Sobre amor, quem pode dar as cartas é
Carlinhos Brown, numa saia longa brilhante em desfile de moda: “O preto básico é
desculpa para quem não sabe se vestir. No fundo, é o mesmo desafio: tirar o
preconceito dos homens, do mesmo homem que tem medo de amar uma mulher só. Fui
criado numa sociedade machista e, para mim, ser homem é acariciar sua mulher, é
gostar de mulher e não ir para a delegacia feminina acusado de abuso ou
violência. Usar saia é dizer não à colonização. Uso saia porque vivo num país
tropical e na hora de fazer amor é mais fácil.”
Embalsamemos Adão e Eva, anestesia geral
na veia, para ingressar no novo alfabeto, inteiramente nus, limpos de pecado, e
começar tudo de novo, comprometidos com uma história de amor de verdade. Não dá
mais para aturar sermos filhos bastardos frutos do acaso.
|