DA IMPORTÂNCIA DE LER
ANTES DE ASSINAR EMBAIXO
31
de julho de 2000
Até um analfabeto sabe que não deve assinar nada sem
saber o que está escrito. Para assinar embaixo sem ler,
só tendo vendido sua alma ao diabo. O que está em
questão não é a inteligência para não saber o que se
passa debaixo de seu nariz, é o rabo preso e a
manipulação a que você está sujeito, daí seres culpado
pelo que fazem aqueles que vos cercam. Seria ingenuidade
supor que a impunidade fará o sol nascer todo dia, por
não ser de todo absurdo que amigos de longa data,
ex-esposas, filhos, sócios e apadrinhados venham a
traí-lo, transformando-o na mais nova vítima do destino.
Não foi por outro motivo que Ted Turner e Jane Fonda se
separaram sem que um tenha ido à cara do outro graças a
um contrato pré-matrimonial cujas negociações se
desenrolaram por um ano. E não venha me dizer que Jane
estava de olho na grana do Ted que insinuações desse
gênero não colam na militante aeróbica pró-Vietnã e
feminista que emudeceu anos diante de um casamento
tradicional e agora procura emprego em Hollywood. Mau
exemplo, um gaúcho quis se casar com separação total de
bens e ela rodou a baiana: “Não sou uma reles caçadora
de dotes, você não é nem um pouco romântico, já está
pensando na separação antes de se casar, você nunca mais
será o mesmo para mim”. Sopra-se o tempo, o divórcio
litigioso, a partilha encarniçada, inimigos para sempre.
Não podem nem mais se ver, muito menos saber se tem nova
esposa ou marido no pedaço. Não concebem como foi
possível um ter feito parte da vida do outro. Ler o
contrato guardado em baixo do travesseiro removeria o
amadorismo contido na rejeição entre dois seres que já
foram tão unidos por amor, amizade e companheirismo.
Amor em tempo de romance que se esvai. É impossível ler
todos os papéis que assinamos, face à riqueza de
detalhes que existe em tudo que se lê, seja para assinar
ou não. É impossível ter ciência do cipoal de ações,
atos e fatos, a responsabilidade é de quem nos cerca e
nos remete toda essa papelada que se acumula em cima da
mesa. É desumano saber tudo que se passa a todo tempo,
isso vale desde o Presidente de República até o catador
de papel. Contudo, você é responsável pelas suas
escolhas, senão a fama de completamente podre e
comprometido corre à solta. Quem não tem competência não
se estabelece, se não sabia deveria saber, já que és tão
zeloso na defesa de seus interesses corporativos, caso
contrário é vista grossa às atitudes de quadrilhas que
costuram esse país no cicio das tramas.
Imaginem se nós começamos a não cumprir contratos que
firmamos, a não pagar as dívidas que assumimos e a não
criar os filhos que registramos, apenas pelo fato de
levar nossas assinaturas. Nada que surpreenda, pois os
bicheiros ganharam credibilidade ao fazerem valer o
escrito, e atualmente entraram em declínio. E todos nos
tornamos cúmplices da passividade em cobrar direitos,
garantindo a tranqüilidade de quem só tem compromisso
com o rei posto na barriga.
Retinas eletrônicas, córneas cultivadas em laboratórios,
terapia genética que corrige o defeito de visão herdado
nos fazem sonhar com o dia em que a cegueira vai ser um
mal superado. Num passe de mágica como o espelho que
reflete a realização dos desejos de quem nele se mira da
escritora inglesa campeã de vendas Joanne Rowling, em
seu quarto volume da série Harry Potter - as aventuras
de um menino bruxo -, calhamaço de 752 páginas de
literatura infantil.
Ah, se eu pudesse requisitar a sensibilidade derramada
nas fotos de Sebastião Salgado para decifrar o que a
gente vê, lê e interpreta no que se assina embaixo sem
ler, através dos refugiados, órfãos, zapatistas,
sem-terra, nos campos de concentração do Afeganistão,
Índia, Moçambique, Sudão, Angola, Albânia, Bósnia, e
Brasil. |