QUEM DÁ A ÚLTIMA
PALAVRA NO AMOR?
7
de agosto de 2000
Sempre que você procura se isolar num canto escuro do
cinema para se deleitar com o que a sua fantasia busca e
requer, sempre aparece alguém para tirar o prazer,
sentando-se próximo à sua ilha de tranqüilidade, quando
não é do seu lado.
E se você estiver ao lado de sua cara-metade, aquela que
no dia bonito por natureza, se entreolharam e o amor à
primeira vista os fez sonhar com a loteria, o grande
prêmio que sua alma pura e inocente faz jus, afinal
rezas de joelhos, passas provações e provocas o anseio
que dormita sossegado no passadiço do ócio que o seu
gato também aproveita, sem culpa.
Mas suas mãos no cinema não mais se entrelaçam, não
trocam idéias sobre o desfecho do drama, não mais
respiram juntos no suspense, e o beijo na tela não
estremece os lábios, eternos indigentes de atenção e
carinho. Porque discutiram sobre ratos e cobaias,
desembainharam seus floretes em duelos à luz de velas e
mataram a galinha dos ovos de ouro. De véspera.
A luz da projeção se apaga em sua retina e, tal qual uma
Alice no País das Maravilhas, escorrega e cai de bunda
no chão a ver navios, só, somente só, porque cometeu o
pecado de acreditar que no amor tem sempre um que manda
mais no outro. Uma maior predominância, ascendência. Não
é que o dominado seja oprimido ou repise o amém. No
entanto, a nossa insegurança conduz a relação para que
eu queira dominar você ou, no mínimo, prevalecer. Vai
daí que desmerecer o amado amante é uma tentativa de
evitar esse domínio, que pode acabar com o
relacionamento. Evita porque receia o dia em que irá ser
subjugado ou abandonada. E amando, o que é pior.
Portanto, há que afastar o mal, já que amar sem poder
controlar pode ser danoso à sua integridade futura. Ao
contrário de zens afeiçoados que cedem e descansam no
remanso do amor.
Quem não conhece a sujeitinha que briga constantemente,
cria problemas, e favorece um clima de instabilidade
insuportável para a convivência, atribuindo ao parceiro
a origem do seu fracasso afetivo. De outra mão, quem
cede é diagnosticado como um câncer benigno,
subestimando porque tem medo de cair de quatro e não
poder mandar mais na situação como antes mandava. E isso
é inadmissível, porque significa que vão fazer com ele o
mesmo que ele constrói para sua vida. Fato esse que não
reconhece mas, pelo menos, conduz sua vida a seu gosto e
dispor, montado no cavalo alazão a levantar poeira.
Ruminar sobre quem efetivamente manda nesse país ou se a
rainha manda mas não governa, desperta para a realidade
da fome que campeia nos cinemax que invadem
nossos pastos. Se ansioso pelo próximo páreo o cavalo
come baldes de alfafa, imagine a repercussão de
“premonições”, “pânicos”, “aliens” e “tarantinos”
nos baldes de pipoca que inundam o piso acarpetado de
tanto nervosismo, num verdadeiro dolby sound
produzido por invólucros de balas e lanchitos resistindo
ao rasgar frenético de unhas e dentes, que não raramente
explodem ferindo os ouvidos drogados de celulares,
agradecidos ao santo flúor que fortaleceu nossos dentes
permitindo que trituremos os amendoins sem dó nem
piedade.
A direção da casa apela à urbanidade e implora que, ao
menos, se aperte a descarga nos banheiros para não dar a
impressão de sermos tudo aquilo de que nos acusam ou
cairmos no chavão de que o mar de lama avança firme e
forte. Mesmo porque o próximo a fazer suas necessidades,
quando vê aquela imundície, tende a repetir a dose: “Não
fui eu que fiz essa porqueira. Por que eu teria de
limpar a merda dos outros?” |