OS REIS DO BRASIL
29
de agosto de 2000
Todos querem ser donos do Brasil. Nascem com o rei na
barriga. Acreditam ser essa a grande chance de resgatar
carmas e querem ser reis do Brasil. A nostalgia do
Brasil monarca, de Dom Pedrito II, onde trabalho era
desonra e coisa de escravo.
Quem é ruim, se destrói sozinho, palavras do filósofo
que só volta à seleção brasileira nos braços do povo. O
marrento, chutando cachorro morto, desafia o vingativo
para um duelo no Coliseu do Maracanã contra a
coadjuvante Bolívia e, de cambulhada, esporeia
perdedores natos que não perdem por esperar. É o
imperador Romário obcecado pela glória suprema: mais e
mais gols. O criador de factóides que adora correr para
a galera.
Collor foi impichado porque quis ser dono do Brasil e
foi apeado do poder pelo poder econômico que a nação
paulista representa para o Brasil. Os caras-pintadas
ladraram e a caravana passou. Alaranjando, pretendia
formar uma rede nacional de TV para fazer frente à vênus
platinada, voando nas asas da VASP. Sonhou estender seus
domínios: 5 anos eleito, 5 anos reeleito,
primeiro-ministro, e Rei.
FHC entrou apelando para o patriotismo e dizendo que é
mole governar o Brasil. Privatizando as nossas coisas,
achando que não damos para o negócio por não termos o
tino empresarial. Elegendo o empresário como a figura
mítica que iria evitar a sangria do Estado e atrair
recursos estrangeiros para transformar isso aqui numa
potência do tamanho de Cingapura. Chegou a emudecer
Roberto Campos de tanta emoção. Acabou por nos fazer
chorar pelo leite derramado ao financiar produção,
alongar prazo de pagamento e bancar compra de estatal.
Wanderley Luxemburgo quis ser o dono do futebol. Sabe
que técnico da seleção brasileira é o cargo mais
importante do Brasil depois de presidente da República.
E olha que nos tempos dos óculos escuros da ditadura
militar o treinador era considerado mais inteligente do
que o general de plantão. Hoje não, o presidencialismo
revestiu-se de um caráter monárquico, de um despotismo
esclarecido, e o povo exige, ao eleger, que haja um
mandachuva de quem possa tomar satisfações ou jogar
bosta na Geni. E é nesse modelão que Wanderley se
inspirou.
Como emergente, foi mudando sua faceta de técnico de
campo para o chefão que abafa a voz passiva de seus
auxiliares. Psicólogo, ao definir modelos de
comportamento para a torcida. Generalíssimo, como chefe
da delegação que se aproveita do prazer de viver nas
alturas que acomete presidentes e mais presidentes. Não
se cansa de escalar Betões, Jardéis, Élberes, Aldaires,
Amorosos, Conceições, Robertos Carlos, desde que a sua
estrela brilhe mais do que as outras. Arrematante
contumaz de leilões, viciado em comprar e vender terras,
imóveis e carros no intricado e cada vez mais
milionário mundo do futebol, que cresce na mesma
proporção da influência de empresários que transformaram
atletas, para desgosto de João Saldanha, em mercadorias.
Agora valorizados, é verdade, mas distantes do povo, que
não os considera gente como nós, ao jogar moedas como se
fossem confete para saudar essa nova era. A era do
futebol de negócios, do futebol de resultados que venceu
e montou seu balcão na CBF, que vive às custas de nosso
talento, o talento do jogador brasileiro.
Só dá filósofo no futebol, quem reclama é o ex-ministro
dos esportes Zico. “Hoje, no Brasil, somos acusados e
nós é que temos que provar, desmentir as coisas. Quem
acusa, tem de provar, poxa.” Sem se dar conta que hoje o
brasileiro já nasce com culpa no cartório, pendurou-se
tanta conta que o rabo ficou preso. Todo mundo é culpado
até propina em contrário. Cara de bobo, indignado e
surpreso, escolha o disfarce que melhor encaixar e
compre ingresso para o próximo espetáculo. |