QUERIA PODER AMAR
MAIS
3
de setembro de 2000
Os animais segregam feromônios para atrair sexualmente
indivíduos da mesma espécie. As abelhas, em
especial, adoram fazer uso de seu arsenal de hormônios
para ferrar os zangões. O mel é apenas um disfarce.
Melhor seria mapear esse insólito e inóspito território
em que nos tornamos seres estranhos a atrair,
conquistar, submeter, trocar e trair o próximo. Do que
explorar os segredos que Marte esconde, os anéis de
Saturno, e se depois de Plutão a obsessão pelo amor,
travestido com a máscara da onipotência, faz a gente
acreditar que a vida tem sentido.
Se eu sou capaz de amar tanto, queria poder amar mais.
Afinal, o amor é vício, luxúria, a sublime consciência
de não ter limites, um querer deixar a marca de sua
presença a ferro e fogo, a certeza de que a vítima será
derrubada. Como as balas “ponta oca”, que provocam uma
lesão maior porque se abrem ao atingir o alvo, ampliando
a área de destruição. Uma nostalgia das origens bárbaras
em que o caráter era moldado pela têmpera do mais forte
e o escrúpulo, um embaraço distante do senso moral.
Por que um homem põe tudo a perder por ciúme e capricho?
Por que um homem com idade para ser avô, velho de cabeça
e jovem no irresistível barato de ser vândalo e
troglodita, se desestrutura emocionalmente por uma
mulher que poderia ser sua neta? A ponto de não ver
encruzilhadas e colidir. Trocar de carro e arrebentar as
rodas por não enxergar mais buracos na estrada da vida.
Arrancar a fórceps os e-mails do computador para
examinar sua correspondência e descobrir com quem vinha
trocando idéias. Exigir devolução de presentes e uma
procuração em branco para que todos os bens havidos na
união retornem ao seu verdadeiro dono. Cortejar sua
família tão-somente para controlar seus passos.
Onde termina o amor e começa a intimidação? Insinuar que
transmitiu doença venérea é argumentação fútil depois da
AIDS. Apenas porque se odeia a vida afetiva pregressa, a
tudo vivido e construído antes de sua chegada. A chegada
do todo-poderoso que não gosta de ser contrariado. A
ponto de alugar um apartamento em frente para poder
controlar sua vida sexual depois de decretado rei morto,
rei posto. O arrogante que instrui seus subordinados
sobre como as coisas devem acontecer na vida. O
especialista que, se não sentar e escrever o que tem
para dizer, vai falar besteira, uma atrás da outra. O
profissional que projeta o ser amado e depois cobra a
conta. O mais ingênuo dos homens que adora contar
vantagens no clube do bolinha ao arrotar que não move
uma palha para conquistar as mulheres.
“Não quero mais nada meu em você, se quiser rasgar e
mandar os trapos para que confira, tudo bem, ia dar de
caridade mesmo” - a bofetada que dói mais.
O ódio é uma porta aberta para a maldade. Interpreta ao
pé da letra o ídolo Orson Welles, “todos matam as
pessoas que amam, de uma forma ou de outra, matam em
palavras, em gestos”, e comete a insensatez. Sob forte
comoção. Movido pelo orgulho do macho ofendido. Atiram
no rosto, nas costas, no ouvido, e carregam as cápsulas
das balas no bolso como recordação. Apenas porque elas
se cansaram deles. Desses soberanos enrolados na
bandeira do tradicional direito à propriedade. Querem ir
embora. Reconhecem que surtaram ao lado dele e agora
merecem uma chance de vida mais sadia. Eles não aceitam
e tentam prostituí-la, pressionando-as para manterem
relações sexuais.
E se arruína a vida por um motivo fútil. “Motivo fútil,
uma pinóia, só se for para quem perdeu a capacidade de
amar.” Ruim com um, ruim com todos, não se pensa em
outras vidas nessa vida, ou nessa vida em outras vidas,
não se pensa sobre o livre-arbítrio que o conduz pelas
mãos inevitavelmente até aquele ilustre desconhecido na
próxima esquina. Caso contrário, ele não se
autocondenaria nem pediria perdão às filhas, por
escrito, um ato falho de quem teme a lei do retorno
sobre as herdeiras.
Existe ainda uma última chance antes de o advogado virar
a babá do seu destino. Parar o carro num beco sem saída
com pouco movimento e tirar a própria vida. Mas cadê
coragem? Também, mudaria apenas o endereço do
sofrimento, não conseguiria terminar com essa angústia
no peito da qual tenta fugir desde que nasceu.
Capacidade de amar é um privilégio, uma dádiva que
poucos recebem, para amar você tem que lutar com você
mesmo, só vence aquele que é divino.
O melhor é continuar vivo, em liberdade, mas vivendo o
inferno aqui mesmo, entre um e outro copo de uísque. Fim
de noite, um Lexotan para brindar a impotência. |