MEU REINO POR UM CAVALO
9 de outubro de 2000
A elegante Jorgina de Freitas não se dá por vencida, só
faz as unhas em casa e não abre mão da seda por sobre
seu corpo bem cuidado. Veio de baixo e venceu. Condenada
a 14 anos de cadeia por desviar 112 milhões de dólares
dos cofres públicos, o Supremo Tribunal Federal concedeu
à advogada Jorgina o benefício de cumprir sua pena em
regime semi-aberto, ou seja, o xadrez é só para dormir.
Afinal, já se transcorreram 2 anos e 9 meses sem
arruaças ou queima de colchões no presídio. Embora ainda
falte recuperar mais da metade do que ela desviou da
Previdência e escondeu sabe Deus aonde. Meia tonelada de
ouro e 236 imóveis apreendidos a credenciam a retomar o
estudo universitário e fazer pós-graduação em Direito
Público. É um direito legítimo do presidiário de voltar
aos bancos escolares, um passo decisivo na sua
recuperação, tão importante quanto a faina árdua dos
pastores em converter nossos marginais em crentes,
livrando-os da prisão.
O jurista Célio Borja, ex-ministro do
STF e da Justiça, defende que o Supremo não favoreceu
Jorgina, segundo a doutrina brasileira do habeas corpus,
pois a finalidade da pena não é a vingança, mas a
reintegração do interno ao nosso convívio. Quanto à
sociedade, cabe aplicar à fraudadora o maior castigo: o
desprezo e a repulsa que ela merece. Diante do risco de
nova fuga, é legítima sua tentativa de conquistar a
liberdade, valor fundamental da vida humana. Se fugir,
estará dando uma prova de inadaptação à vida social. A
delinqüente.
O ministro do Supremo Marco Aurélio de
Mello advoga a tese de que os ladrões do povo - os ricos
e os famosos - não devem ser presos preventivamente,
aguardando o julgamento em liberdade. Mesmo porque,
geralmente, são réus primários - a primeira vez em que
são pegos com a mão na botija -, têm bons antecedentes,
quando não são idosos, hipertensos ou diabéticos. A fuga
deles e a demora da Polícia Federal em capturá-los são
prejudiciais à imagem do Judiciário como um todo, o povo
não distingue a Polícia, o Ministério Público e os
Tribunais, é tudo a mesma coisa. Marco Aurélio foi quem
soltou o italiano de dupla cidadania e ex-banqueiro
Cacciola, que obedeceu a seu instinto de preservação da
liberdade preferindo viver num país mais sério e
civilizado, onde a mídia e a sociedade não estão
interessadas em prejulgar.
Por ter desconfiado que uma cliente
apresentara cheque e documentos falsos para pagar a
conta de uma calça jeans, um segurança da Mesbla
manteve-a em cárcere privado no subsolo da loja, num
cubículo sem janelas por 4 horas, acusando-a de ladra e
estelionatária. Condenada a indenizar em 300 salários
mínimos pelo Superior Tribunal de Justiça, a empresa não
terá como, pois está em processo de falência e Ricardo
Mansur, seu dono - especialista em arrematar empresas
concordatárias como Mesbla e Mappin -, ao ser avisado de
que teria decretada sua prisão, fugiu para Londres e se
encontra no dolce far niente. Enquanto aguarda que a
ordem de prisão seja revogada, amparado no fato de a
detenção cercear o seu legítimo direito de defesa,
pratica o esporte da fina flor do hight society:
o polo.
Entre uma tacada e outra, em meio à
cavalhada que dá o seu puro sangue, perdeu sua classe
habitual ao se desesperar com Baloubet du Rouet, e
xingou o melhor cavalo do mundo, aquele que cobre 200
éguas por ano. “É burro, igual ao Luxemburgo, um
estúpido e imbecil que nos roubou a medalha de ouro,
eliminando Rodrigo Pessoa ao refugar 3 vezes no mesmo
obstáculo”. Enervado pelo vento, pelo esforço exagerado
da prova e descompensado emocionalmente pelo fato de
Rodrigo ter entrado mole em obstáculo fácil e perdido
ponto. Baloubet não admite errar, não queria esbarrar no
travessão, tudo com ele tem que andar nos trinques, e se
acovardou para não cair em desgraça no tropeço - os
garanhões também são delicados. Deus ouve a todos e
castigou o melhor cavaleiro do mundo porque gozou com a
cara da nossa seleção, manchada pelo amarelo que polui
os nossos esportistas, a ponto de acovardar aquela droga
de cavalo poltrão. Bastava um tapa na bunda para parar
de fricotes, embora merecesse chicote ou esporas.
Meu reino por um cavalo. |