CENTAURO, A MATRIZ
03 de Dezembro de 2001
Encontra-se em pleno curso a formação de uma
nova raça, calcada no centauro, a matriz, substituindo o cavalo pelo cão
matador domesticado pelo dono que se confunde com o cachorro, seu fiel
amigo, num autêntico remake do “Médico e o Monstro”. Os hormônios
alardeiam que somos metade homem metade mulher numa velocidade de
transformação adequada aos nossos tempos, em razão inversa e
proporcional ao pavor que o hermafroditismo e a androginia provocam em
plena era da clonagem, contribuindo para delinear um quadro funesto e
sombrio a respeito da instabilidade dos papéis e valores atribuídos aos
sexos desde que Adão e Eva comeram aquela maldita maçã.
Seu ancestral mais famoso, Cérbero, o cão de três cabeças que
guardava as portas do inferno, contribuiu muito para essa simbiose entre
o racional e irracional, que materializa-se a olhos vistos circunscrito
a um caráter esculpido na fôrma de irmãos siameses, intimamente unidos
por temperamento e predestinados a irmãos uterinos.
A identidade é de tal tamanho que o poder público viu-se
encostado na parede a ter que cadastrar esses verdadeiros animais, a
promover esterilização, num limite perigosamente próximo da emasculação,
a tornar obrigatório o uso de focinheira por cima das ventas, a circular
com o enforcador, e proibir o direito a menores de conduzi-los que, por
não terem força de segurar o bicho, dispensam a coleira - um claro e
bruto incentivo à conversão em pitboy.
“Disque cães bravos” e denuncie o PitBull, Rottweiller,
Doberman, Fila Brasileiro, Bull Terrier, Dog Alemão, Pastor Belga,
Mastim que irá assassiná-lo, enchendo de orgulho seus donos que não são
homens para confessar que já perderam o crédito na nossa raça,
humanidade que não vale um níquel furado. A prova confessa do crime é a
débil declaração de que “meu cão nunca fez mal a ninguém”, tratando-o
como se fosse um igual, sendo a coleira um instrumento sadomasoquista
inadmissível. Se as mulheres usam coleira como artefato de submissão aos
homens, o problema é dessas infelizes.
Dêem-se por satisfeitos os desprovidos de cães, porque os que
os têm já recolhem as fezes expelidas nos passeios públicos,
livrando-nos com os nossos passos de aumentar a dimensão do juízo falso
a respeito de gente tão diferenciada que nos parece estranho.
Esses cachorros filhos da mãe desnaturada que protege esses
marmanjos, dilaceram a dentadas seu cãozinho de estimação Yorkshire;
põem a perder o gajo que atira contra o pitbull que atacava seu cavalo e
atinge um menino de 10 anos; morde seu dono que tentou evitar que ele
matasse um Poodle Toy; dando uma de cavalo, Braddock puxava seu dono,
lutador de vale-tudo, no skate, quando não resistiu à perna do gari; o
guarda-vidas foi obrigado a matar a pauladas um pitbull que perseguiu o
surfista mar adentro, após destruir sua prancha a dentadas; em briga de
trânsito, o lutador de jiu-jítsu resolveu se poupar e incitou o seu cão
contra o motorista oponente.
O código penal promulgado pelo mulá Omar em rasa troca de
idéias com Osama, exigia barba comprida mas proibia cabelos à la
Beatles; ai de quem pusesse pipas para voar e subisse o muro para espiar
a mulher do vizinho; que se recorte os olhos de modelos nos frascos de
xampus; médicos só podem olhar as partes do corpo das pacientes que
precisassem de tratamento; se a esposa saísse de casa com a face
descoberta, sua casa seria marcada e seu marido punido; chicote para
quem saísse da linha.
Em sua frieza, o que mais impressiona nessa estirpe de homem é
a vocação para confinar as mulheres, a mulher que habita em seu seio,
apegado a seu código de valores inspirados em decálogos anciãos que se
esboroaram no tempo, saudosos de ressuscitar epopéias brilhantes que só
o feudalismo medieval constrói.
Devemos dar-lhes adeus acenando lenços, trata-se de desespero
de causa usar o animal para assustar as pessoas, rola uma lenda de ervas
daninhas que essa alma danada irá incorporar a cadela maldita rumo a uma
nova vertente de centauros que, em alcatéia, expulsará os vampiros do
nosso reino, seja feita a Vossa Vontade.