O NATIVO
08 de Setembro de 2001
O nativo sempre foi desrespeitado, mal visto, até abominado, quando a
terra que pisa desde que nasceu, nunca deixou de ser sua, sem precisar
de títulos, notários e escribas, a tropa de choque da corte para
legalizar a fraude em nome da civilização.
O nativo dá margem a clichês preconceituosos: irresponsável, safado,
trambiqueiro, negligente, preguiçoso, lerdo, burro, explorador.
Impropérios com os quais se xinga a população do Rio de Janeiro, Porto
Seguro, Salvador, Maceió, Olinda, Recife, Acapulco, Cancun, Bali,
Polinésia e Phuket, ao estender o conceito da praia para a periferia.
O nativo é o refúgio perfeito de mulheres reprimidas a quererem furar o
bloqueio imposto por um estreito círculo social onde giram, perdidas, em
busca de uma brecha para se esgueirar e escapar dessa sina. Como
compensação, permitem que deposite o sêmen de suas fantasias.
O nativo, quando tratado como objeto que atiça a curiosidade da turista
estrangeira, ou mesmo brasileira, de conhecer o toque retal do prazer, é
remetido a uma condição sócio-econômica superior que o cega, ao elevá-lo
às nuvens. Quando ela se vai, mal percebe que foi chupado e jogado fora
como a um bagaço de laranja. Claro que irá ser chupado outras mil vezes,
até o coqueiro parar de crescer e não dar mais cocos.
Uma tosca análise bastarda proveniente do preconceito, filhote da teoria
nazista da eugenia, diria o presidente da Associação dos Nativos da
Papua e da ONG de Trancoso. Mas isso não cola no terreno chão do sexo e
costumes, pois exerce extrema atração desvendar mistérios, vencer o
suplício de uma extensa escadaria e terminar na cama, seja da chinesa,
japonesa, tailandesa, malasiana, taitiana, hindu, egípcia, marroquina,
nórdica, espanhola, italiana, siciliana, mexicana, colombiana,
venezuelana, peruana, brasileira, e, principalmente, das negras e
mulatas, responsáveis pela miscigenação - ato final da redenção do ser
humano - que embasbacaria qualquer clonada descendente de siliconada.
Pruridos elitistas de que cabelo bom não é crespo, alisar, alisar muito,
ou esconder-se nos cachos e rastafári enquanto a mecha não vem, do
arsenal de preocupações do senhor João Fernandes não constavam.
Controller da comercialização do diamante em Diamantina, em nome da
coroa - uma das versões mais antigas de dirigente de estatal -, passava
por cima dessas questões, afeito na santa terrinha a não ficar por
baixo.
Xica da Silva, sua concubina favorita, que o diga. Meteu-lhe treze
filhos na bucha e no bucho. A crioula mais gostosa, sestrosa e de dentes
tão bonitos, chegando ao cúmulo de mandar arrancá-los de sua maior
rival, quando julgou ser esposa e ter marido.
Esgotado o veio, arrancado o dinheiro de quem podia espoliar, e chupada
a laranja seleta, plena de doce suco que enchia sua boca de gozo, João
Fernandes regressou a Portugal em definitivo e nos deixou essa herança.
Nativos, passados de mão em mão, descartáveis, coadjuvantes, pior,
figurantes, excluídos que caminham por sobre terras improdutivas, à
deriva, no farejo de um Antônio Conselheiro, Osama bin Laden ou,
pensando grande, num exportador de guerra do nível de Che Guevara. Quem
sabe até, sonhando alto, ressuscita-se Mao Tsé-tung na liderança de uma
Longa Marcha de nativos rumo ao Grande Salto à Frente.