AMADO JORGE
20 de
Agosto de 2001
Jorge Amado vai ocupar a mesma cadeira de
Machado de Assis no Olimpo, ambos inventaram o Brasil do século XIX e
XX, extraído do Rio de Janeiro capital e da Bahia nação, dando corpo,
imagem e identidade às nossas raízes, fugindo aos cânones da história
oficial, e cristalizando o irreversível fim do pudor que arrastou a
miscigenação a encontrar nossa cara na cor, no folgar malandro, a falar
pegando, no cheiro, até chegar a sentir orgulho por ter o pezinho lá.
Desde que a Revolução Francesa decapitou a
torto e a direito, se viveu o dilema entre dar vivas ao rei e construir
uma nação a partir de marginalizados e perseguidos como heróis, segundo
os detratores de Jorge, de putas e vagabundos. Ninguém sabia o que era o
Brasil, e se o negávamos.
Os portugueses ao abusarem dos índios e dos
negros valendo-se do rega-bofe da escravidão, acabaram povoando um país
que não era mais dos brancos, com traços de inferioridade, desigualdade
e recalque, cuja mistura de raça e sangue resultaram em Gabriela, Tieta,
Teresa Batista e Dona Flor.
Essas mulheres brotaram do dilema que Jorge
Amado viveu como marxista que queria dar um fim à desigual materialidade
social: ter como pai Stálin ou um coronel de cacau. Até descobrir em
1955 que a KGB calou as vozes de tantos inimigos políticos quanto a SS
de Hitler, quando descreu da ideologia que engajava sua arte na defesa
dos pobres e oprimidos e a crer na mistura dos credos, caldo de cultura
autenticamente brasileiro, em franca oposição aos xiitas iorubás que
achavam o sincretismo religioso resquício da escravidão: pratique duas
religiões e agrade os dois lados que o espírito resta insatisfeito.
Defendia o candomblé e outros cultos afros, ainda por uma questão de
dogma, por encerrar a verdade dos desassistidos, justiça social seja
feita, merecia que se depositasse fé. Embora não acreditasse em vida
inteligente depois da morte, obcecado em negar o Deus que lhe haviam
doutrinado, lamentava o tempo curto de existência e a ronda da criatura
desagradável que teima em nos levar daqui pra uma melhor, a despeito de
caduquice ser motivo para chorar, não para comemorar.
Sua obra literária mereceu adaptação para cinema, TV e teatro que
torciam o nariz de Amado, forçado a reconhecer que sua mensagem social
atingia a massa que não leria seus livros. Nunca pensou em receber o
Nobel, pois conhecia sobejamente a elite que soube farejar sua obra,
sugá-la e incorporar sua ideologia, devolvendo-a para a sociedade em
suaves doses de sensualidade, como se do seu núcleo a tivessem parido,
visível no folclore que humaniza os coronéis. Essa elite se orienta por
onde pode perder seu status e seus dividendos correm riscos.
Conscientizada e unida pressentem os movimentos sociais, articulada e
rápida no gatilho abocanham a bola da vez e convertem-no em pop.
Para quem teve a consciência escovada em
observar a origem da pobreza, o sentimento de impotência e de mãos
atadas se alastrou, o que num homem simples e bom como Jorge Amado foi
fatal, se perdendo em meio à procura de um novo Pai, tornando-se
macambúzio ao ser louvado e enaltecido pelos donos do poder.
Também pudera, lhe deram motivos de sobra,
não queimou sua massa cinzenta e coração de passarinho para assistir de
camarote, antes que se secassem as lágrimas, o açodamento de candidatos
se lançando à vaga aberta na ABL no próprio dia do velório, em conflito
com a entourage acadêmica, como se a cadeira cativa fosse para
ungir o Papa ou o Rei.
Vaidade e orgulho que bem caracterizam a
ânsia dos mortais na busca da imortalidade, da fonte da juventude e, no
futuro, da clonagem de si próprios.