O PAÍS DAS MARAVILHAS
01 de Julho de 2002
Pentacampeão, pentacampeão, é penta, Rivaldo orquestrou como nunca
ousou antes porque era atacante artilheiro apenas, Ronaldinho Gaúcho provou que
no sul não impera só rigidez tática, Cafu exagerou em chegar a 3 finais de Copa,
Roberto Carlos impôs sua categoria do Real Madrid que mete medo, e o 4º “R”, o
milagre que comprova a existência de fenômenos, que de tanto existirem e não
vermos, precisa se repetir à frente do planeta para que se removam dúvidas e
suspeitas que cercam a capacidade de dar a volta por cima - a recompensa virá se
lutarmos até o fim.
Pentacampeão, pentacampeão, é penta, eu era feliz e
não sabia, com ou sem Garrincha sempre fomos os melhores, como é bom dar
uma de débil mental, libertar-se pra uns, infelicidade pra outros, pôr a
cabeleira loura, assoprar cornetas insuportáveis, cobrir o bom cabelo
com a bandana, suspirar por biquinininhos que não daria conta se
soubesse o que tem por trás, abraçar o Galvão Bueno, e saber que lhe
aguarda, de braços abertos, aquela camisolinha verde-amarelo, agora que
o Felipão nos liberou pro sexo interditado nas madrugas da Copa e não
vai nos matar mais do coração.
Por falar no hômi, nunca é demais dar o braço a torcer, se
xingou tanto o avozão querido, o tio gaiato e o pai de todos nós órfãos
do futebol-show. Cotocos de comentaristas e cronistas de araque a quem
nenhum resultado consegue agradar, viúvas que pranteiam um passado que
não volta mais, a exigir que Beethoven se cure da surdez, Ayrton Senna
desacelere da morte e Pelé acerte ao menos uma previsão. Se Felipão deu
certo, danem-se os entendidos, vão curtir a fossa no meio do povão e
aprender a não torcer mais o nariz para quem consegue dar o drible da
pedalada ou da lambreta. Pouco importa se manteve a virgindade da linha
de defesa em bolas aéreas, se engrossava o folclore gaúcho e reforçava
os preconceitos que o cruel esporte bretão cultua, exacerba e nos
garante um jazigo perpétuo no cemitério dos primatas.
Felipão expandiu a era Dunga acentuando o primado gaúcho
no futebol brasileiro. Tem todas as razões para se sentir magoado com a
torcida e a crítica especializada, mas como, se a conquista foi feita
para se comemorar, o deus Baco que o diga. Vocês vão ter que engolir
ficou batido, a crítica faz parrrte, é démodé rolar
cabeças, há que voltar atrás renitentes perfeccionistas e ofendidos, é o
que mais desejam os técnicos retranqueiros. Afinal, somos penta e a
união faz a força.
O que mais o irritava era comparar sua família com outras
seleções do Brasil campeãs do mundo, descabe ajustar 2002 a 1970 ou
enquadrar em 1958, quem não entender que o futebol vive outra realidade,
vive fora desse mundo, como que a exigir do Big Phill a realização do
sonho do dream team.
O futebol perdeu a sua diversificação de escolas e de estilos,
embora de origens diferentes uns ficaram muito parecidos com outros, a
disputa é entre o monocórdio versus o inesperado de três erres, fazendo
a diferença nossa qualidade técnica insuperável, muito embora Felipão
tenha sempre realçado a importância da tática, no papel do treinador
perante o grupo. De madrugada, não deu para enxergar esquema algum - o
último de relevo foi o do PC Farias.
Dedo do Felipão sim é ter o grupo na mão e substituir a estrela que bem
entender a hora que quiser, para evitar deslumbramentos e desvarios que
causam convulsões em qualquer família. Impôs um regime de concentração
germânico ao estilo corralito, onde lhes foi suprimido o acesso
ao celular, privando-os da condição de empresários na aparência e nos
negócios que pintam. Cortou a mínima possibilidade de sexo afetivo, não
o animal, complementado por revistas pornôs. Severo, rude, impositivo,
cortou o mal pela raiz, em matéria de disputa quem entra em campo é o
espírito.
Ao Romário não lhe foi permitido mais esse glorioso título, mas esteve
presente em inúmeros atos falhos do treinador e na inspiração do gol de
biquinho de chuteira do Ronaldinho - fez um igual contra a Suécia em 94,
só que de fora da área. Mas Luizão nos fez esquecê-lo contra a Turquia
nas duas vezes, vencedora a tese de que a figura do desagregador ameaça
a moral da família, não há mais espaço para superegos dos acima da média
em prol da união e coesão.
Sintoma mais do que significativo de uma época que precisa reafirmar a
existência de Deus através de seus valores que consagram a benção na
família e tornam possível a recuperação de Ronaldinho, cuja convulsão
seguida do rompimento do joelho, que o obrigaram a conviver com boatos
de que nunca mais seria aquele jogador que virou Fenômeno, foram
fragorosamente derrotados. Sintoma não captado pelo goleiro Kahn em suas
previsões, o povo alemão é racional e lógico, não poderia funcionar no
confronto com o místico, não se tem notícia de bruxas teutônicas.
Os impropérios lançados contra os jogadores na final funesta de 98,
comparável a 1950, centravam o fracasso em Paris nos dólares da Nike,
associado ao Fenômeno que ruiu. Ao se sentir humilhada, a torcida
brasileira se consolou na teoria conspiratória de que passaram o
selecionado nos cobres, a chacota foi do Oiapoque ao Chuí. O que magoa,
pois se começarmos a pensar nos detalhes fica um pouco difícil imaginar
o Ricardo Teixeira ordenar a cada um a comparecer no caixa em plena Copa
do Mundo, a despeito do coronelismo imperar no futebol. O bochicho
engrossou o caldo com as CPIs do futebol repercutindo nas eliminatórias
de triste memória. De origem humilde, a perda do carinho da torcida
refletiu a sarjeta, a indiferença, o descrédito, os jogadores tiveram de
se superar - parece que necessitamos ser achincalhados para recuperar a
auto-estima, adquirir equilíbrio emocional e vencer. Malhados, reagimos,
afinal, não somos judas. Tiveram que provar não ser uma geração
fracassada.
Toda Copa do Mundo, por ser uma guerra, tem suas versões fiéis à
realidade. De quem? Só uma delas vira lenda, a história oficial de
heróis como Ronaldinho, uma Alice no País das Maravilhas -
Brasiiilll!
- que superou bruxas e dragões da maldade e virou santo guerreiro. |