QUE PETULÂNCIA!
02 de Setembro de 2002
A globalização é uma cirurgia estética
para reparar culturas cuja beleza artística encerra uma representação
sensível da verdade de seu espírito, por que não dizer divino, num
contexto harmonioso de traços e de cores. O implacável bisturi opera
culturas dignas a caminho de passar a limpo costumes e padrões com a
qual fomos colonizados. Mesmo sem o saber, tentamos encontrar o fio da
meada de uma nova vida que ainda não se inventou, a apologia de uma
sociedade que faça esquecer essa e descobrir outra, de maneira a não
permitir nos bastarmos e dormir de touca.
O que falta aos brasileiros superarem é o
sentimento de inferioridade e passividade diante de situações em que não
cabe o silêncio. Não é necessário exagerar como os italianos que brigam
por qualquer motivo, mas o Brasil não dá valor a si como indivíduo e ao
país. Um pentacampeonato mundial de futebol não vale nem de remendo,
apenas um afago na cabeça, diante dos empréstimos-tampão do FMI
necessários à estabilização na manutenção do gigante adormecido.
Nos falta mais convicção para afrontar o
bom senso e agredir a estética do Primeiro Mundo, como a desfaçatez dos
alemães ao submeterem Berlim a uma cirurgia reparadora que apagará todo
e qualquer vestígio de sua recente História, operando a assepsia do
passado comunista de 5 décadas. Sob o pretexto de maquiar a cidade para
a Copa do Mundo de 2006, em escolha com cartas marcadas que equipararam
a FIFA à CBF. Maquiar, maquiavelice, um ato político de não querer
restaurar para preservar a estética.
Em menos de um século, os alemães geraram
Hitler do ovo da serpente para arrasar quarteirões e elevaram o Muro de
Berlim para resguardar o paraíso comunista. Sob os escombros dessa
realidade, estudantes terão dificuldades para estudar e refletir sobre
os desígnios teutônicos. Berlim se transforma num centro experimental
arquitetônico para refletir seu design, a marca registrada de suas
linhas arrojadas, demonstrar a força de seu aparato doméstico com
luminárias que irão manter a distância a obscuridade, em sintonia com a
modernidade de bom gosto que funciona como coveiro do passado.
Todavia, quem haveria de dizer que a Torre Eiffel, aquele mafuá de ferro
montado a título provisório, iria se converter no símbolo de Paris?
Sonham os alemães ao pretender vender Berlim como o símbolo do
marketing, da exposição, da feira, do modelo a ser copiado depois de
patenteado. Para recuperar o prestígio da Berlim de Bauhaus e ganhar
fama. Para ganhar, ganhar sempre.
Que petulância!
Pois é o maior atributo da mulher carioca,
seja tribufu, mais ou menos - a pior situação -, ou com a calça jeans na
linha da bunda, umbigo à mostra com piercing e bustiê que torne os seios
pequenos em grandes. Que discute com veemência os absurdos de uma
eleição sem o menor pudor de que o conteúdo do pensamento deixe a
descoberto preconceitos que orientam a decisão racional do eleitor.
Plena de sensualidade, ávida por uma troca, busca nas divergências
pontos de contato nunca dantes explorados, mesmo que isso implique em
achar que você é muito conservadora, você é metida a ser mais do que é,
sua petulante.
Petulância é um estágio anterior à
arrogância, tônica do processo eleitoral no qual se acredita em verdades
absolutas difíceis de se concretizarem. A petulância nos afasta do amor
ao próximo, portanto, de nós mesmos, sob o subterfúgio leviano de nos
defendermos, do espectro que somos, a imagem que projetamos, o brilho
que esvanece.
Petulância desumaniza, desanima a quem
queira se aproximar, esfria o sentimento que almeja o maior calor do
mundo, antipatiza e desperta o medo de contaminação, doença não
detectável em laboratório.
Petulância não impede de dizer que eu te amo, te desejo,
alimenta a posse que nos abençoa e redime porque consagra o sentido de
família e lar, o que nos tranqüiliza e assegura a paz.
Petulância, um dado superficial que só se mantém nas
aparências, pra esconder o verdadeiro desejo de se entregar sem maiores
reservas. Ai, quem dera se pudesse acreditar!
Que petulância!