IRMÃOZINHOS
02 de Dezembro de 2002
É todo casal, por definição, que sai junto
para todos os cantos, se falam ou se vêem quase diariamente, cercado de
testemunhas que desconhecem que o casal divide a mesma cama, mas não
“cruzam”, não se interpenetram, não dão cabo da missão, não se pegam, não
batem o ponto, e muito menos fazem amor.
Caso você se enquadre nessa definição restrita e
conservadora, será considerado pelo círculo estreito da sociedade como
um anormal, afinal morar junto e dividir as quatro paredes torna
acessível o sexo seguro e viabiliza o prazer com um ganho sem risco,
mantida a fidelidade.
Caso não queira pensar com a frieza de um
economista e voar mais baixo, viver em casal propicia segurança evocada
pela carência da figura masculina, seja pela complementaridade, ou pelo
viés da proteção suprida a carência, ou pelo fato de o marido ser também
as rédeas para que ela não se solte, se desprenda das amarras e não se
perca nas desconseqüências dos descaminhos das incertezas da liberdade.
Visto assim por ela. Visto por ele, ao mesmo
feitio, seja pelo lado de quem lhe opõe sem maiores tabus, resistindo na
medida certa sem afrontá-lo, ou pelo fato de a esposa ser o freio moral
de sua tendência secular a Don Juan, ser volúvel nos gostos e
interesses, um “galinha” em derivação para o prazer na troca constante,
quiçá a orgia.
Vivem juntos face ao compromisso perante nossa
existência que gera uma necessidade de dividir as responsabilidades
pelos atos que cometemos, tornando insosso o dia-a-dia ao não ter
ninguém para passar a bola, com quem trocar idéias sobre os rumos do
Titanic que comandamos, trocar figurinhas sobre o sermão do padre, jogar
pingue-pongue sobre o filme da sessão da meia-noite, ter com quem
criticar o salgado da carne, o doce do toucinho do céu, o amargo do café
e o azedo da conversa. Para evitar a mudez.
Enfim, escapar desse dilema que é um verdadeiro
buraco de não ter com quem dividir, quando deveria ser para somar.
Devido ao medo de amar de novo, ser amiguinho
até que já é uma solução, para quem não quer perder nada, não ousa
conquistar e que não almeja pitibiribas de renovação. Por comodismo e
culpa de não ter conseguido corresponder a quem quer que seja, em função
do que foi, dito ou recomendado para.
Hoje em dia, a mulher é cobrada por não ter
filhos, não ter trabalho - o reconhecimento à dona de casa é nulo -, ou
não ser uma mulher eleita por algo real ou não usado para convencer, que
ponha as cartas na mesa e demonstre efetivamente qual é o seu cacife e a
que veio, se para preencher espaço ou marcar presença. Quanto ao homem,
é cobrado por ser vagabundo, não possuir horizontes definidos e
mostrar-se desambicioso, em suma, inserir-se na competitividade da
sociedade, a não ser que ela o banque para servi-la.
Lá no fundo adormece na alma da gente um pai e
mãe, uma chaminé rolando argolas de fumaça e uma paz de espírito que
trespassa a realidade a que somos convertidos, alimentando sonhos que
não faleceram na primeira curva de nossa estrada.
Caros irmãozinhos, não é pecado deixar de
carimbar o leito que os repousa, contudo nunca é demais lembrar o
exemplo que Deus legou através de Abraão, em seus tenros 99 anos: “Anda
em minha presença e sê perfeito. Eu farei minha aliança entre Mim e ti,
e multiplicar-te-ei extraordinariamente. Tu serás pai de muitas gentes,
te destinei para pai de muitos povos. Far-te-ei chefe das nações e de ti
sairão reis. Darei a ti e à tua posteridade a terra da tua peregrinação,
toda a terra de Canaã, em possessão eterna, e serei o teu Deus”.
E que não se acuse Deus de machista. Abençoaria
a estéril Sara, mulher de Abraão, com um filho aos 90 anos, o legítimo
sucessor de um virtual futuro de reis e nações. Isaac foi a prova viva
do pacto que Deus estabelece para dar luz a irmãozinhos e amiguinhos. Dá
plantão no cartório, Aquele para quem nada é impossível. Animem-se, dêem
à luz!