CRIME
ORGANIZADO
4 de Fevereiro de 2002
Na primeira metade do século XX, os militares
buscavam um modelo em que se mirar para construir uma nação com ordem e
progresso. Os valores pangermânicos fizeram seus olhos brilharem com a
fantasia de reverter o complexo de Macunaíma que grassava na mentalidade
reinante. Uma ordem unida restabeleceria a auto-estima que alavancaria o
progresso. Difícil foi escolher entre a Alemanha do Kaiser e a Prússia,
fundidas no 3º Reich, até que o muro de Berlim se ergueu consagrando a
Guerra Fria que separou o Oriente do Ocidente, tornando obrigatória a
opção pelo modelo americano da CIA para extirpar os quadros comunistas
que ameaçavam a ordem da propriedade e da hierarquia social que
carimbava a desigual distribuição de renda, pautada pelo catolicismo.
Sob o pretexto de pôr um fim à corrupção na política, deram um
passo à frente, viraram à direita, puseram em debandada a esquerda do carcará,
da banda e do tropicalismo, deixando o pasquim ao relento, e governaram com
mão-de-ferro o milagre brasileiro, dizimando os dezoito do Forte que ousaram
desafiá-los à semelhança do que os espanhóis fizeram com os astecas, maias e
incas.
Graças a um aparelho repressor unificado militarmente que
cauterizou as células comunistas e calou a boca da oposição, o poder lhes subiu
a cabeça ao revelarem ignorância quanto ao cientificismo do processo de
regeneração de células no tecido orgânico da política. Esquecendo-se que também
eram células, a combater o suposto mal, e que, ao longo do percurso, a
degeneração é uma fatalidade, afinal de contas, o inimigo era o que Dom Quixote
pediu a Deus, muro mesmo só a Muralha da China, e o Brasil é um maná.
Ao tempo em que a democracia e a nova constituição tentaram
desmantelar a parafernália desses livres atiradores, focos resistentes quiseram
bancar avestruz como arapongas, contudo, havia que se profissionalizar diante da
era do tráfico de drogas. A ordem era abandonar o amadorismo dos tempos do
bicho-grilo que fumava unzinho para abrir a cabeça e virar a casaca ou tornar-se
sócio. O motivo para trocar de lado não era as drogas, a despeito da unanimidade
sobre, e sim o tráfico, ampliando-se o conceito para o tráfico de influência por
entre lobistas, marqueteiros, pregadores, atravessadores, predadores,
tesoureiros e patrocinadores de campanhas eleitorais, vis-à-vis com a mídia que
assistiu seu espírito crítico esvair-se pelo mesmo ralo onde as esperanças se
diluem.
O banditismo chegou surpreendentemente ao poder pelas mãos do
povo nos diversos níveis governamentais e rapidamente foi impichado pelas elites
econômicas, temerosas por terem embarcado na canoa do jet-ski: a brincadeira
fora longe demais. O futuro iria provar, com o desaparecimento do tesoureiro-mor
e sua garota de programa, que, apesar de arquivo bom ser arquivo morto, uma
consciência falha no ato de votar equivale ao filho não querido de uma relação
falida, não adianta lavar as mãos.
A estabilização da moeda proporcionou uma leve brisa de ilusão
aos entusiastas da privatização no litígio com os jurássicos estatizantes por
embarcar na quimera do Primeiro Mundo mediante o respeito da comunidade
financeira internacional granjeado às custas do pagamento dos juros da dívida
externa de bom tamanho.
Não foi o suficiente para impedir que político, notadamente da
oposição, se transformasse em profissão de risco, como nos tempos da pistolagem
do Nordeste e do coronel do sertão. Crimes organizados contra líderes sindicais,
trabalhadores rurais, ecologistas e prefeitos, obrigando a um grupo de mulheres
a organizar no Piauí a União das Viúvas de Prefeitos Assassinados. Preso o
coronel Hildebrando, o da motosserra, o governador do Acre foi condenado à
solidão, mulher e filhas vivem fora do estado. Promotores públicos que
investigam venda de combustível adulterado, falsificação de medicamentos e
propaganda enganosa não podem parar no sinal de trânsito. Aguarda-se a bola da
vez no futebol.
O extermínio dos prefeitos de Campinas e Santo André envergonha
a locomotiva paulista de Jânio, Quércia, Maluf e Pita, no garbo da comemoração
da Revolução Constitucionalista de 1932 com um sabor de separatismo, e nos
obriga a cair na real de que ninguém está mais a salvo, desde parlamentares e
juízes na terra encantada dos alvarás de soltura e de liberação de verbas pros
seus currais, até "nóis", parados feito bestas, nos semáforos, com o perdão da
má palavra.
A sociedade perdeu o controle diante de uma taxa de homicídios
três vezes maior do que a nação mais poderosa do mundo, e se as negociações se
arrastam, mutilam-se as vítimas. A peso de ouro, ex-militares de tropas de elite
do Exército, recém-saídos de anos de caserna, graduam em táticas de guerrilha
urbana e sobrevivência na nossa selva a primeira turma de paramilitares que
garantirão a segurança de traficantes. Direitos humanos agora é proteção e
segurança, as ramificações criminosas se espalharam pelas diversas áreas de
negócios e da política, e o modelo começa a ser clonado. A exemplo do que vem
ocorrendo na Colômbia, se considerada a falta de respeito total à autoridade
constituída. Um insofismável recado na secretária eletrônica das instituições
brasileiras e contra todos que se interponham contra os interesses do crime
organizado.
Quando a onda de seqüestros equaliza as vítimas pelos sinais
exteriores de riqueza medidos pelo termômetro tupiniquim, é porque há esperanças
na democracia. Agora, se orquestrada uma conspiração política para
desestabilizar a oposição em prol do favorito da Corte por quem detém os cordéis
da economia, é não respeitar os limites entre a função pública e o interesse
particular, somente nos restando uma Operação Mãos Limpas como a desencadeada
pela Itália que culminou com a dissolução dos partidos políticos da época,
zerando a pedra. Caso contrário, Osamas proliferarão emergindo do pântano que
semeamos e plantamos.