DELÍRIOS
DE UMA MULHER
4 de Março de 2002
São 7 os delírios de uma mulher, o que a
equivale numerologicamente a pecado, sujeito à pena capital cujo
carrasco exige-se que seja um eunuco.
O primeiro é adotar uma vida alternativa, independente de
tendências dominantes, na doce liberdade de “eu quero uma casa no campo”, onde o
rural torna o cocoricó da madrugada na ária de uma diva... e chegar tarde para
construir um lar careta com filhos, e ser feliz.
O segundo é casar na Igreja da Candelária, convidar 50 casais e
organizar uma recepção em sítio afastado, servido por uma entourage de garçons,
sommelier, manobristas e discretas moças, que nada fazem apenas ficam à
disposição, distribuídos em um gramado florido decorado por uma fonte luminosa
de desejos, ao som de samba da raiz, rock, boleros, valsas e big band.
O terceiro é pensar que eterno é o amor quando se é jovem, e
quando não se é mais, perpetuar a imagem idealizada do amor eterno.
O quarto é pensar que a beleza pode tudo e não notar que o
tempo dela já passou, o tempo de atrair a todos, com sua varinha, os varões que
ainda não se fossilizaram.
O quinto é ter certeza de que o homem da vida dela pertence a
outra.
O sexto é que o homem realize a fantasia que ela carrega desde
criança, jamais dita ou insinuada por ela.
O sétimo é a conta do sete, o do mentiroso, é o homem pensar
que a mulher no fundo pretende iludi-lo e enganá-lo com sua lascívia, quando ela
é dependente do amor carecendo tão somente de chão para levantar vôo.
Mulheres assim deliram, à beira de um ataque de nervos,
desconstruíram-se, parecem hoje fazer parte de um passado remoto, contudo, não
sentem firmeza em construir por sobre os escombros, o que fazer se esperar que o
tempo sinalize um caminho não cessa a angústia? Restaria o braço companheiro do
homem, não para apoiá-la saudoso dos bons tempos, mas para arregaçar as mangas e
descobrir o prazer em servir, em se dar, em ser generoso, em estender a mão não
para pedir e sim para entrelaçá-las em aspirações conjuntas a serem cozinhadas
em fogo brando até que se adaptem à nova temperatura em condições normais de
pressão, de forma a debelar uma epidemia que nos contaminou e desagregou na
erosão dos tempos, nos alojando em solitárias com o olho voltado num Paraíso que
somente existiu em lendas. E lendas existem para serem vivas, para darem um
cunho de realidade ao caráter que se constrói, senão fenecem no mesmo túmulo em
que o latim - que as enunciou - foi enterrado. Das cinzas, nasce um novo
espírito comprometido com o futuro do presente, arejado por uma leve brisa do
passado soprada pelo carma, a passar a limpo o terreno que pisamos, e resgatar
uma dívida contraída no ódio de disputas sem perdão, ao acumular rancores que
nos tornaram estranhos e esquisitos de mesma aparência a falar grosso,
distanciando sexos, pais e filhos, almas gêmeas, o pecado original.
Delírio, assim é se lhe parece, e, como tal, cabe o oitavo
delírio: é se realizar mais como mãe do que como mulher.