BLINDAGEM
04 de Novembro de 2002
Blindagem é o termo da moda baseado no
caráter de tanque que se quer conferir aos automóveis que transportam o
pessoal endinheirado que não tem tutano para descobrir uma outra fórmula
que o distinga do senhor feudal que levantava muralhas e construía
fossos, a fim de proteger seu castelo.
O eleitor rico estendeu o significado de
blindado ao Lula, na certeza de que nada poderia alcançá-lo, pois que
inexpugnável se apresentava diante dos inúmeros disparos provenientes do
neoliberalismo que vendeu a pátria. Os tiros morreram na água que
inundou o país com a dívida externa até o pescoço, o desemprego e a
miséria que causaram violência até o nariz. Não foi por outra razão que
o eleitorado da região amazônica e da república autônoma da Bahia de ACM
votaram em peso no primeiro presidente da História que veio da miséria -
de Caetés -, dividindo banheiro coletivo com bêbados em cortiço
paulista. Pensaram ser a bola da vez no frenético processo de
privatizações.
Confiamos na democracia para afastar os
invasores, já que não somos dotados da frieza sanguinolenta dos russos
para injetar gases inodoros e incolores com o propósito de não pôr de
joelhos o arremedo de democracia, sepultando terroristas e seqüestrados
na mesma cova.
Com a experiência de quatro campanhas
eleitorais ao disputar o pódio com Brizola, Collor e FHC, de se lançar
como líder de massas no cenário metalúrgico no descenso da ditadura
militar obcecada com a cubanização do Brasil, de reverter o quadro de
rebelar-se contra o bom burguês para o paz e amor, Lula se prepara para
se revestir de uma nova camada de blindagem. Sob o olhar atento de sua
eminência parda, José Dirceu.
A primeira foi suficiente para conter a
metralhadora giratória ou disparos de longo alcance e precisão de um
situacionismo raivoso que não chegou a causar medo numa oposição
propositora de uma sociedade alternativa. Seu discurso comovente tirou
de letra as investidas contra a concordância, regência e dicção,
prevalece a comunicação contra o rigor do estilo. Agora virão obuses de
morteiros e lança-chamas, Lula, blindado, se prepara para incorporar o
espírito de Gandhi na cruzada contra a fome.
Prescrever três refeições ao dia para o
povo brasileiro na qualidade de médico-presidente, deixará o mercado
entre a cruz e a caldeirinha, entre o lucro e o feijão-com-arroz, entre
a ganância e a violência, entre a frieza da rentabilidade e o
sentimentalismo barato, entre o balanço de lucros e perdas e a que moral
servir.
O aumento desenfreado do dólar agravou o
endividamento dos setores de tecnologia de ponta e daqueles que creram
na internacionalização da economia e inserção do Brasil no primeiro
mundo globalizado, avalizado pelo sorriso cordial e confiante de FHC, um
cidadão elegante, polido e de boas maneiras que dá aulas de como fazer a
transição presidencial e se preparar para outros vôos, aqui, ali, acolá
e alhures.
O final do filme para quem quis abraçar o
mundo com as pernas é o tête-à-tête com os credores, invocando as
condições macro-econômicas desfavoráveis - eufemismo de uma era que se
frustrou. Vão-se os anéis, ficam-se os dedos, em sintonia fina com o
combate à miséria anunciado para o Ano Novo.
O operário nordestino que virou
presidente, a primeira-dama ex-babá, e o vice que não concluiu o ginásio
para ser mascate. Levantaram a auto-estima do povo brasileiro que saiu
às ruas para comemorar como se tivesse conquistado outra Copa do Mundo.
Para desconsolo dos que não acreditam em guinadas, o mito começa a
encorpar como uma boa cachaça tirada do alambique.
Companheiro será a palavra de ordem do
próximo verão.