ESTAMOS PERDIDOS
16 de Setembro de 2002
Estamos perdidos diante do sorriso irônico
do traficante Fernandinho Beira-Mar. Sem precisar arrombar uma porta e
armado até os dentes dizimou facções adversárias que não se curvaram
perante a supercorporação que deseja formar atrás das grades de um
presídio de segurança máxima, exceto quanto ao estigma da
corruptibilidade de todo homem ter seu preço. Que tal adaptarmos o Big
Brother aos interiores das prisões e nos investirmos em controlarmos as
autoridades de segurança para pôr um termo nas balas a esmo que se
alojam no cérebro de nossas famílias? 11 de setembro por 11 de setembro,
terrorista por terrorista, a Palestina é aqui, se a coroa de flores na
sepultura dos inimigos comerciais massacrados lembra que nem Jesus
Cristo escapou dessa.
Conseguiram quebrar a barreira da
integridade que divide o bem do mal, ao assistirmos presos de alta
periculosidade em ménage promíscua com o aparato policial,
comendo maçãs e sonhos - o doce -, fumando prazerosamente, em trajes que
evocam mais uma praia do que uma penitenciária recém-depredada, depois
de carbonizarem Uê e substituírem a bandeira brasileira pela do comando.
Num bloqueio que equivaleu a quase metade da cidade, lojas e escolas
foram fechadas, bancos receberam ordens de não abrir a burra, pais se
encerraram com seus filhos em casa, até posto de gasolina e cabeleireiro
não se aventuraram, sob o olhar vigilante do alto do morro, através da
visão telescópica do fuzil que dispara 700 vezes por minuto. À espreita
de iniciar uma nova guerra na disputa pelo controle dos pontos de drogas
e ascender à 1ª divisão de empresários que desafiam a intelligentsia
política, dão um nó tático no pensamento politicamente correto, fazem a
mídia perder as estribeiras, impõem toque de recolher aos boêmios,
bloqueiam vias expressas à revelia da polícia. Cidade de Deus!
Sua leitura preferida, "A assustadora
história da maldade", nos induz a respeitá-lo nem que seja por medo de
seus advogados, que pediram educadamente à imprensa não fotografar nem
filmar o cortejo da cerimônia do enterro de Orelha, Pid - de Eupídio - e
Robertinho do Adeus, os desafetos de Freddy Seashore. Sob pena de pôr em
risco a integridade de fotógrafos e cinegrafistas, bem como das famílias
enlutadas.
Reproduzir Carandiru seria morte certa nas eleições, muito embora o
eleitor não encontre lógica em sustentar marginais condenados a “n”
encarnações na prisão - sem considerar sua pequena vida útil. O
justiçamento de Fernandinho seria a via mais óbvia. Se não acendesse um
rastilho de pólvora que implicaria em descer os bondes e tocar o terror,
metralhar escolas, promover arrastões, retaliações contra a população
inocente para mostrar que estão presos, mas não mortos. Uma vingança de
quem não tem nada a perder, cuja atual existência é considerada como
perdida, desperdiçada, inútil, embora esteja tudo dominado, o lucro é de
tal ordem que compra quem eles quiserem.
Poupado foi, porque tem poder de fogo.
Desarmados de cidadania assistimos sobressaltados. O que lhe confere um
grau de magnitude que o faz pensar em se ombrear com candidatos a
presidente ou governador, cujas promessas deixaram de se vincular a
bandido bom é bandido morto ou a rotundos “não” em comícios do Maluf
quando ameaça pôr a Rota nas ruas.
Seria um sacrilégio lançar mais um
fernandinho à Presidência e um insulto à inteligência do eleitor, mas
será que não dava para comprar um uniforme de presidiário bem zebrado,
ou mesmo um crachá que pudesse diferençar eles de nós? Ou seria nós
deles? Que confusão misturar pavio curto, paz e amor e serra para
descobrir que não estamos perdidos, estamos nos achando, que Rosinha
Garotinho é Roseney, a Roseana Sarney como fenômeno eleitoral que
emplacou, que Collor chama o adversário em Alagoas de rosinha, os
desviados de comportamento segundo o sexólogo collorido.
O sistema criou o bicho solto, sem comer
proteínas na infância, sem frontal, um matador, ser humano animal, sem
limites, excluído de grifes que realçariam seu prestígio pelo respeito
que impõem, uma provação que já nasce no berço e o condena à falta de
oportunidades. Agora o exército é outro, o conformismo se destina aos
crentes, é pensar pequeno em apenas sobreviver nessa selva, negócios
deste gênero só vão pra frente se pegar em armas, foi assim em outras
revoluções, a diferença reside no profissionalismo.
Esperar por mais quantas gerações que vêm sendo criadas sob o signo da
injustiça, sem chance de ambicionar a nada, cujo peso da
responsabilidade arqueou sobremaneira o Papa, diante da iminência do
resgate da dívida do branco para com o negro por conta de escravização,
tráfico, exploração, alforria, até chegar num estágio democrático que
necessite do sistema de cotas no emprego e na universidade para
contornar preconceitos.
Tempos que geraram uma atmosfera talibã em que o dominado se recusa a
dar a sua cara a tapa para o dominador, a prosseguir encenando o mesmo
teatro, que se recomece tudo de novo!