PRESENTE DE NATAL
16 de Dezembro de 2002
Existindo ou não família, completa ou
incompleta, com buracos ou deixando a desejar, sendo ou não solidária
com o seu destino, remetendo ou não a um repouso reparador na cadeia
para quem discordar virulentamente de suas diretrizes, somos obrigados a
passar a limpo o Natal, sob a benção de assaltos que se multiplicam como
o milagre do pão.
Porque, juntos, estaremos lá, reunidos em
espírito, numa irmandade indissociável como a teoria da prática. Como se
fosse possível dissociar a beleza da personalidade, pois que seu
interior aflora dos porões da alma nas profundezas do coração, e
conquista liberdade quando se desnuda revelando o Belo.
Se a vez é da castanha ou da noz para aquietar o
espírito natalino, ou mesmo do peru assado ou do presunto Tender, ou se
a cereja sobrepuja os fios de ovos, se a rabanada molha o bico melhor do
que o panetone, dúvida por dúvida, abandonemos a manjedoura por uns
instantes, e alcemos os olhos para o Céu, a buscar nos Reis Magos uma
resposta.
Se nós não somos matéria em busca de crescimento
espiritual, somos espírito em busca de crescimento material, ou se nós
não somos humanos começando uma jornada espiritual, somos espíritos
começando uma jornada humana.
O espírito consumista denigre essa preocupação
por não ser palpável e palatável como a ameixa na cabeça do pudim. Com
um par de antolhos, precisa de tempo para ser breve e impregnar o mundo
com seu despudorado trânsito e maleficência, sujeito a ejaculações
precoces nascidas de especulações desarrazoadas que tornam a ganância um
crime hediondo. Mantendo inativos os despossuídos de trabalho, tal a
competência em extorquir, competência em subjugar, competência em
mentir, como convém a um bom agiota.
Os nababos perderam completamente a noção de
espiritualidade, ao se encastelarem e desprenderem asco ao terem que
dirigir a palavra às inúmeras facetas das classes sociais e raças. Um
dia perderão a liderança por incompetência, vivos assistirão a
decadência precipitar-se no coração do que consideram a coisa mais
importante nesse mundo: o dinheiro.
É uma economia de falsa aparência que se
comporta como uma imensa companhia “ponto-com”, na precípua função de
prestar serviços especulando em detrimento de produzir bens, que exige
imobilização de capital e mobilização de mão-de-obra para plantar e
colher. Quando o que regula o interesse a ser explorado é a
rentabilidade, qual o proveito que se pode tirar do negócio, caso
contrário, não vale a pena investir um níquel. E a credibilidade? No fio
da navalha, o colapso é iminente na razão direta com que a Al Qaeda
pretende detonar as sete maiores cidades americanas com bombas atômicas
e pulverizar outras três com varíola em missões suicidas.
O fim do mundo, portanto, levaria menos tempo
para se descobrir que os relógios suíços já não são os melhores, mas que
diabo, se os homens desejam tanto a eternidade, desde que conquistada
sob seu domínio e poder! Na velhaca intenção de imiscuir-se na duração
infinita do tempo.
Na natureza nada se perde tudo se transforma, ou
melhor, tudo se reenvia. Se o presente de aniversário ou de casamento ou
de batizado ou de qualquer coisa que se comemore, não é do seu agrado,
redirecione a outrem que dará maior valor ou será de grande serventia,
principalmente para você.
Mire-se em Michael Douglas que, quando subiu ao
altar com Catherine Zeta-Jones, distribuiu a torto e a direito os mimos
que recebeu, como uma garrafa de champanhe especialíssima com que
presenteou um terceiro desavisado, amigo em comum do amigo que pensara
que Michael era amigo, a ponto de ter acreditado tanto no seu casamento
que escolheu uma safra especial.
Essa prática meio antipática é justificada por
mães que reclamam do excesso de festas a que seus filhos são convidados,
obrigando-os a portarem presentes. No Natal, agendas, canetas e gravatas
trocam de mãos ávidas por buscarem uma utilidade mais precisa que
condiga com o espírito natalino. Chega-se ao cúmulo de rasgar
dedicatórias de livros para representeá-los a incautos letrados de
plantão.
A vida é muito curta, temos de cometer todos os
erros antes que ela acabe. O mundo é tão pleno de incertezas gerando
tanto não saber o que fazer do seu destino que, quando surge um
destemido a passos firmes, dão-lhe passagem. Mais do que uma herança,
vale o que você pretende fazer desses poucos e generosos pedaços de vida
com que nos privilegiam. O Natal, por exemplo.
O coração não tem peso, continue a presentear,
mesmo sendo difícil encontrar o que agradar àquela alma especial que
guarda, tão bem guardado, dentro do coração, o segredo mais sagrado que
não compartilha nem com o anjo da guarda. Revelá-lo, equivaleria a não
preservar a fantasia que inspira o menino Jesus.