A DEGOLA
(Japão - Oitavas-de-final)
17 de Junho de 2002
A degola da França, sem conseguir meter a
bola nas redes com atacantes artilheiros do campeonato inglês, italiano
e francês. O protótipo da impotência e nulidade que consagra o time de
um jogador só. Nada que não lhe seja estranho, inventora da guilhotina
que é, artefato usado para punir até quem a criou e cortar o mal pela
raiz de órfãos de elites que só entendem uma linguagem: a da soberba,
cuja filha bastarda, a invalidez, é impiedosa quando ataca, não poupando
nem o cracaço Zidane, que se despediu da Copa, melancolicamente, puxando
de uma perna. A ânsia em se ver incluída em mais uma elite, desta vez a
do futebol, só realimenta a boataria em torno da convulsão de
Ronaldinho, se foi ou não uma versão gaulesa do golpe Boa Noite,
Cinderela.
Que se console Zidane com Pelé, Garrincha, Maradona e
Romário, a injustiça, vulgar no futebol, não poupa os ídolos, que, por
isso mesmo, são os mais atingidos. Ao contrário do que se pensa, a
religião no meio é politeísta, quando os deuses resolvem castigar, a
crueldade é a palmatória. Eles se zangam com a estreiteza de raciocínio
e descontam em qualquer um. Não gostam de ver sua inteligência
insultada, afinal, Dugarry lembra o nosso vice-presidente Marco Maciel,
está em campo e a gente não o vê. O técnico Lemerre entrou mudo e saiu
calado. O goleiro Bartez é obcecado em suscitar a questão gay ao exibir
a cada jogo, para as câmeras - já de sobreaviso -, o bumbum dodói.
A degola de Camarões. Guarda uma verossimilhança com os
bleu, campeão do mundo de 98 e europeu em 2000, os camaroneses
levaram a medalha de ouro nas Olimpíadas de Sidney e a Copa da África. É
ou não é para atarraxar uma máscara, daquelas de ferro que indefine sua
raiz e identidade até a quinta geração, reflexo de como o mercado negro
do futebol europeu compra a peso de ouro a nacionalidade de jovens
talentosos que desejam ficar ricos integrando selecionados que não
coincidem com os países de nascimento. Nessa hora oportuna, os fascistas
vitoriosos em eleições não são contra o imigrante, o importante é elevar
o nome da pátria ao galardão máximo, não discriminando Nova Caledônia
nem Guadalupe. Pro bem do povo cabe até o intervencionismo de governos
no aliciamento.
A degola da Argentina. Se Senegal desequilibrou o grupo da
França vingando-se do colonizador, a Argentina se desequilibrou no grupo
da morte afundando junto com teorias como a de definir de antemão o time
para a Copa, saber de cor os seus 11 titulares, quando hoje se joga com
um núcleo de 14 a 17 jogadores, dependendo do adversário, da tabela ou
do mando de campo. De que adiantou a França e a Argentina terem mantido
a mesma base? Criou teia de aranha. Para que se utilizar de tantas
equações e incógnitas na bolação de táticas, se todo mundo avança, até
Chilavert, e todos recuam? Para que a numerologia dos sistemas de jogo,
se vivemos a era do descartável? A Copa é uma questão do momento, reduz
tradições a bandeirolas, chaveiros e canetas, o currículo pode virar pó.
Os argentinos gabavam-se de ter em cada posição pelo menos
um craque. A soberba sempre resulta em choro se não adequado os seus
rumos e movimentações à realidade. Não é de todo desagradável a fixação
dos platinos em nossos destinos, querem nos tirar para dançar mas não
têm coragem, que é que vão dizer quando chegarem em casa? E dá-lhe de
hostilizar e viver a vida de um conde falido, a ter que operar a hérnia
de seu umbigo. E a miséria bater às suas portas. Também pudera, quem
lhos mandou trair o estilo maradona de jogar e continuar obcecado com os
ingleses? Os chuveirinhos na área deram a medida.
A degola da Copa não livrou a cara nem de Pelé que baixou
hospital na esteira dos excessos provocados pela divulgação do Viagra e
o mal súbito da comparação de seus 1000 gols com o número de consultas e
internações da Golden Cross.