MÁSCARAS
E MASCARADOS
18 de Fevereiro de 2002
Descubra quem são seus pares e devote aos outros
sua face oculta que nem você sabe qual delas é mesma.
O primeiro encontro foi num baile de máscaras, a rigor, em
pleno inverno. Ele, bêbado sem deixar rastros, apenas acusando sinais de
amargura e descrédito, remanescentes de amores ao léu de fantasias. O olhar de
desdém iluminou-se ao mirar o delicioso colo nu e branco, dela, que tiritava de
frio sob o manto da discrição, a ocultar a beleza da professorinha prenhe de
princípios e idéias preconcebidas, avessa a homens alcoolizados.
Um luar astrologicamente favorável os fez dançar a noite
inteira juntos, mal contendo a impetuosidade romântica que iria encharcar o
leito de amor de duas personalidades antagônicas que teimaram em não se aceitar.
Ela, a querer enquadrá-lo em seu modelo de homem. Ele, debochando de sua
formação conservadora em conluio com a avidez por transformações radicais na
sociedade.
Ao começarem a privar da intimidade um do outro e a desvelar
segredos de amor hermeticamente encerrados, a lua de fel ilumina um campo fértil
para aflorar cenas explícitas de posse, entre urros lancinantes que anunciavam
os próximos orgasmos, destemperados pela intolerância que acabou por colocá-los
em trincheiras opostas.
Por entre as alfinetadas disparadas, ele é atingido por um
dardo vindo de outra mulher. O arco ainda retesado era empunhado por Cupido,
furioso com essa disputa que intranqüilizava seu reino.
Ela resolve encarar os deuses e preparar o bote da serpente de
Eva. Fantasiou-se de Clóvis no carnaval, um palhaço estilizado, primo da burca,
medievalmente coberto da cabeça aos pés de preto, complementado por uma máscara
de resguardo do rosto em esgrima, estampando uma caveira, e um balão de bexiga,
com que se bate no chão e assusta as crianças.
Feio que dói, ele havia atarraxado uma máscara que o tornou
formoso perante as mulheres e másculo aos homens, comprovando que feiúra é pros
que não têm identidade que delineie a fisionomia.
Em plena avenida, ela o espeta com a unha afiada e espanca a
bexiga no asfalto, ignorando o avião que havia pousado do lado dele. Procura
sacá-lo do inebriante estado de torpor amoroso em que se encontrava repousado.
Sem que ele soubesse quem era. Ainda mais que caveira não fala.
Irritado e constrangido, ele a enxota, ironizando:
- Quem é você? Mulher, homem ou viado?
Magoada, a bate-bola emudece, retira-se do palco e liga a TV,
nada mais apropriado que a quaresma para se refletir sobre pecados capitais
cometidos no carnaval, enquanto máscaras e fantasias adormecem no porão.
Sobressalta de indignação ao ver Edmundo, o Animal dos campos
de futebol, sem máscara, mas com a bandana do Detran que orientava: “Se for
dirigir, não beba. Se beber, não dirija”. Em pleno gozo do hábeas corpus que faz
jus por ser primário e primar pelo bom comportamento, muito embora ao dirigir
radicalmente, ter se enrascado num acidente que provocou a morte de 3 imberbes,
cujo singular mal que os uniu na cova foi ser inocente.
À máscara de abnegação em proveito de uma causa do trânsito,
ela preferiu aplicar ao rosto uma máscara de cosmético e fechar os poros: o
sentenciado não pode sofrer abuso do poder na sua liberdade de locomoção até o
remoto veredicto final, àqueles endinheirados que passam nos cobres a Justiça,
lhes é reservado, inclusive, o direito de até tripudiar.