O ÚLTIMO MALANDRO
18 de novembro de 2002
O último malandro acabou.
Seja o personagem-tipo
carioca no meio dos pobretões, na virada do século XIX, às voltas com a
capoeiragem e valentice - o malandro da Lapa. Seja o malandro-agulha, de
bigodinho fino na sobrancelha do lábio superior e cabelo ondulado assentado às
custas de Gumex ou Glostora, cigarro no canto da boca e sempre convidando para
tomar um cafezinho e não pagar. Fácil de identificá-lo, a magreza raquítica,
própria de quem passava fome e não confessava, o abuso do pão com manteiga no
botequim denunciava. Bebidas, socialmente, a cerveja, e para afogar o ganso em
bordéis, rabo-de-galo e cinzano. Dançava que nem um Fred Astaire, com uma lábia
de encantar sogras, de paletó e gravata cheirando a perfume, andando arrastado a
catar virgens encalhadas, valorizando o tempo que se esfumaçava nesse
boêmio sensual.
O precursor do Clube dos Cafajestes, que imortalizou em Copacabana, a
Princesinha do Mar, a esposa no lar cuidando dos filhos e da comida, enquanto o
cafajeste colecionava 1001 amantes, para contar vantagens sobre o que fez e está
por fazer.
O patrono de Carlos Imperial, o terror das menininhas do subúrbio que acorriam
ao Posto 6, em tempo de rock-and-roll, para se libertar da virgindade em troca
de 15 minutos de fama na finada TV Rio.
Uma verdadeira malta que não alcançou o tope do dedo
mindinho de Madame Satã. Só ele podia dizer, “eu sou viado, mas sou homem!”.
Hoje, os cafajestes se tornaram crentes a pregar pros condenados que não repitam
seu exemplo, agora que broxaram. Invocam Jesus Cristo em suas canções, ad
nauseum. Se suicidam porque ignoraram o efêmero do sucesso, ao ignorarem os
conselhos médicos. Tudo em nome do sexo virou tudo em nome da decadência. Que
remédio, se o casamento, que seria uma solução reconfortante e reparadora, de
tão enxovalhado, não merece mais crédito!
O melhor mesmo é assistir de camarote, na poltrona do vovô, aos espetáculos
proporcionados pelos nouveau riche no balanço das redes do esporte, no
pagode dos roqueiros, no universo ilimitado que embaralha ficção e realidade nas
telas de cinema e TV, radicalizando mais, cada vez mais, ao saírem do anonimato
e realizarem o sonho de ser famoso.
Esses novos atores enriqueceram a fauna dos machos para “levar banho”, tomarem o
golpe do boneco de mulheres que se aproximam como que não querendo nada, e
engravidam. Como a russa que arrancou 5 milhões de dólares do tenista alemão
Boris Becker, em 5 minutos, se tanto, no banheiro de uma festa. Preocupadas em
sacar adiantado no futuro de seu filho às custas da celebridade do pai, que lhe
abrirá as portas e, se tiver sorte, o ultrapassará, graças ao sagrado ventre
materno. E se Deus quiser, elas ainda pegam uma carona na mídia, graças ao
sucesso nas manchetes e capas de revista, transformando-a em objeto de seu
desejo e conquistando audiência. O público baba em ver seus ídolos de barro
ganharem forma e consistência na arte de manipulá-los, o auge do entretenimento.
De entreter-se com a batata da perna, se cozida ou frita, já que nem o músico
sabe como tocar a campainha da garganta, visto que os ovos da mulher ficam
dentro, no útero, e os dos homens, no saco fora. É de bom tom não mais protelar,
devolva-se o tendão de Aquiles, se não existe cura para a dor-de-cotovelo. A
propósito, por onde se começa para engravidar a barriga da perna?
Resta aos homens se protegerem com a vasectomia ou restarem obesos, em meio a
cervejas e croquetes, colecionando filhos de mulheres cada vez mais jovens e
bonitas, a provar que o sonho do príncipe encantado foi substituído por essas
maravilhosas e poderosas máquinas, sozinhas ou mal-acompanhadas, que estão
comendo pelas beiradas o mingau em que se transformaram os homens.
Saudosos os tempos do golpe do baú aplicado em meninas-moça com a conivência de
pais que, ao se assegurarem de que a procriação e o lar doce lar geravam a falta
de horizontes, e o conseqüente embrutecimento, tratavam de sair à cata de genros
que tocassem seus negócios e filhas.
Os precursores da loura burra, que resolveu eliminar o pai engenheiro e a mãe
psiquiatra, e a seus palpites infelizes sobre relacionamento, libertando-se
dessa prisão. Na figura de Suzane Louise, estudante de Direito da PUC, de 19
anos, loiraça e bonita. Se houvesse cadeira elétrica no Brasil, ninguém pensaria
em assentá-la, ao lado de Elias Maluco e Sandro, do ônibus 174.
Ao descartar a hipótese de viver sua paixão proibida em Trancoso ou nas
Ilhas Faro, bastando atravessar a soleira do portão da mansão dos pais e se
livrar das câmeras de vigilância que a sitiavam, fräulein Suzane demonstrou
sua revolta com o engodo de Romeu e Julieta, e provou que as feridas ainda
estão abertas, do legado do último malandro.