OLHA SÓ O QUE PERDEMOS
21 de Abril de 2002
Ao despencar abismo abaixo e desembarcar do
trem que seu pai pretendia retomar do Maranhão a Brasília, Roseana
Sarney nos tirou o gostinho de uma aula de História que passasse
verdadeiramente a limpo o Brasil, de forma engrandecedora, esclarecedora
e instrutiva sobre se o fim das oligarquias deve ficar a cargo do
Ministério Público ou o povo deve se incorporar à faxina de armas e
bagagens. Pois que até Caetano Veloso se engana e glorifica o presidente
em sua missão de perseguir e prender coronéis políticos.
Confronto que a História nos privou ao arrepio da lei utilizada
pelos tucanos com medo do atraso de que se serviram e, portanto,
cevaram, pudesse engoli-los. O rigor da lei para quem sonhou com o
Brasil despertando como se fosse um Maranhão. Como o país ainda não é
politicamente correto, éticos oram a Deus, num hosana imenso, para que
se encarregue de desencarnar esses coronéis patriotas, se esquecendo de
que o Ministério Público funciona até no Tocantins, qualquer denúncia
será aceita com banda de música. Seu lema “ajoelhou, tem que rezar”
mereceu um bruto reconhecimento de ACM diante do procurador-jesuíta Luiz
Francisco, claramente confesso em sua renúncia ao Senado.
Se o irmão de Jorge Murad já é cantado em verso e prosa
como o Pedro Collor dos Sarney na literatura de cordel da terra de
Ferreira Gular, se a polícia se vale do disque-denúncia por ser mais
cômodo e rápido do que a tecnologia de perícias e exames técnicos, pela
mesma linha de raciocínio simplista, por que não fazer uma pesquisa de
mercado dentre as estrelas do PFL e desenvolver uma campanha
publicitária na TV em cima do primeiro colocado? Para ganhar espaço
político e barganhar um vice à altura de Marco Maciel.
Só que Roseana, a eleita, superou as expectativas, graças
ao marqueteiro Nizan, que a fez mulher, em resposta ao que o mercado
exigia para dirigir os nossos destinos. Chega de homem, eles não merecem
mais confiança, mentem muito. Comportar-se em todas as circunstâncias
como homem de bem não modifica o seu destino de perecer entre tantos de
caráter duvidoso, arruína-se quem quiser ser bom entre os maus - o
catecismo de sua religião.
Foi o fim de uma aventura, um remake do filme de Collor,
fantasma shakespeariano que irá nos perseguir por um bom tempo,
inconformado com sua expulsão do Paraíso. O PFL acreditou no Sarney, que
ficou sem pai nem mãe, sem candidato. A ver navios, ACM e Bornhausen
ficaram órfãos do poder, furiosos com o arrivismo de Murad, o mais novo
anoréxico da praça.
Como Sarney e Maluf dispõem de um eleitorado que não abre
mão de sua esperteza, ficou-se sem saber se seria aplicado o mesmo
remédio adotado em São Paulo no 2º turno, o de evitar o mal maior
cravando a ferradura no outro candidato. Ou se bastaria o banho de loja
e a cara bem-comportada de Lula abraçado à estrela, dentro do novo
perfil que Duda embalou o produto PT.
Não se fazem mais golpes de Estado como nos tempos que Sarney,
Maluf e ACM deram seu sangue para evitar o mal maior e impedir que o
comunismo confiscasse fazendas produtivas. A Venezuela desmoralizou o
golpe de Estado numa América Latina manchada por golpismo, ouviu-se a
voz do povo que reconduziu o “sargento” Chávez ao poder em detrimento de
um civil de plantão que fechou o Congresso e o Judiciário, mancomunado
com a elite que enriqueceu com o petróleo e não industrializou o país.
Olha só o que perdemos. Impeachment antes das eleições. A
lista de doadores do naipe de uma turma de biriba deixou no chinelo o
milhão achado debaixo do colchão da Lunus. Acreditam que na política não
é obrigatório ser sincero, leal, humanitário, ter compaixão, mas é
fundamental que aparente isso tudo. Batem na mesma tecla de que o
eleitor julga mais com os olhos do que com discernimento, mais com o
coração do que com a razão, pois o amor tem razões que a própria razão
desconhece, importando não se deixar aprisionar em nenhuma
camisa-de-força.
As eleições excitam os donos do poder e seus acólitos ao
se debruçarem sobre estratégias de como conquistar o poder e de como
mantê-lo. Ao se elegerem, se tornam todo-poderosos, seguros,
respeitáveis e felizes, a um passo da eternidade. Como se julgam que
vêem mais longe e são mais espertos, agem sempre com oportunismo para
salvarem-se das enrascadas em que se metem.
O panorama visto da ponte pelo eleitor nerd, descamisado ou
que ignora o que afinal está acontecendo é o mesmo do garoto Alex de 11
anos. Dormindo no banco traseiro da van que rodopiou na Ponte
Rio-Niterói, se viu lançado de uma altura equivalente a 11 andares e
afundou 5 metros ao se chocar com o mar. Veio à tona sem saber nadar e
bebendo muita água. Quis se agarrar à bóia de sinalização, mas a
correnteza o arrastou. Acudido pelos marinheiros da Base Naval, grato
foi à graça divina e à sua religião, só Jesus nos salva, garantem os
evangélicos.