VÍCIO
21 de Outubro de 2002
Ejaculam-se hipóteses, vasculham-se
porões, percorrem-se labirintos, tonteia-se em meandros, afoga-se nas
ondas, despenca-se de abismos, nada-se contra a correnteza, o rodamoinho
te aguarda, a roda da fortuna se distancia, e o vício?
O vício, meus caros irmãos, deve ser
tratado a pão e água para evitar que reincidas na senda das drogas que
tão mal fazem aos traficantes, que só são notados que estão entre nós
quando adquirem o poder de Saturno ao decidir sobre o céu e o inferno
que nos avizinha.
O vício da bebida, minhas caras
brasileiras e brasileiros, escancara a cara inchada de goró que rouqueja
a voz, pedindo um cigarro no canto da boca, a empanturrar o ar outrora
saudável de nicotina, que já foi pura sem filtro, e empurra com a
barriga sua notória infelicidade de não ter realizado um pingo do que
sonhou. Não lhe sobrando um pingo de vergonha na cara, apenas o câncer
que redime e a cirrose que afaga um tempo inesquecível que não volta
mais.
Que mal há em jogar uns trocados na
corrida de cavalinhos? Que mal há em renovar a esperança em cada páreo?
Se o jóquei freou o tempo todo aquela beleza de égua malhada, se o
treinador apostou no azarão e jogou contra seu patrimônio, o que há de
se fazer se o pôquer dá sopa para o azar, é uma questão de sorte você se
dar bem nesse cassino, cuja roleta te deixa tonto, vai tomar dentro do
bacará, seu otário, seu fim, que está próximo, é jogar buraco em casa
geriátrica e nem assim conseguir o “morto”, pois “bateram” na sua cara
com a canastra nas mãos.
O vício do sexo é falar do que fez, como
faz e tira prazer, medindo na freqüência o que abocanha e suga, para
cair de quatro e se ver às voltas com quem exige que dê tudo de si. E
você dá, dá tudo o que seu parceiro pedir, pois sexo é isso, é troca, é
ter direito a tirar um naco de sua carne para devolver em prazer o que
irá aguçar seus olhos, sua ilusão, sua consciência. Daí viciando,
viciado resta, e só se fala nisso.
O mais sério dos vícios, segundo Marx, é o
de pedir dinheiro emprestado, para girar com o suporte dos amigos sua
vida tacanha, a responsabilidade pelos seus atos que não assume, por
Deus tê-lo feito nascer do jeito que não queria. Quem tem que pagar o
pato, pensa, são os que não padecem dessa chaga, transferindo a riqueza
material para o pobre de espírito.
No mundo paranormal, existe um fenômeno
freqüentemente descrito como experiências sobrenaturais, a sensação de
flutuar acima do próprio corpo e vê-lo estendido numa cama. Na maioria
das vezes, essa viagem astral é associada ao desligamento da alma e
elevação do espírito. A ciência acredita que estimulando uma área
chamada giro angular, ligada à percepção mental que uma pessoa tem de
seu corpo, pode se reproduzir essa sensação extracorpórea, distorcendo
imagens como Alice no País das Maravilhas. Um curto-circuito em que
também se pode projetar uma cena antes mesmo de ela acontecer,
processada como se fosse uma lembrança antiga.
O vício busca alcançar essa
paranormalidade, mas por ser desmancha-prazeres, apenas o remete ao dia
seguinte em que tudo irá começar de novo, nos seus devidos lugares,
conforme Deus criou o mundo. Incapaz de captar sinais. Evidências ao
alcance de suas mãos, se acreditasse que valia a pena apostar em si, no
seu percurso, na capacidade de construir um mundo melhor, sem o quê a
vida perde o sentido. E a razão de estarmos aqui só ser descoberta
quando for tarde demais para reconstruir tudo fora de seus devidos
lugares, conforme Deus criou o mundo.