UMA BOCA A TODO CUSTO
22 de Abril de 2002
Desgraçada a decisão em dividir o Brasil em
capitanias hereditárias. Foi o prenúncio de uma república cartorial cujo
termo de posse das terras lavrou-se no frigir dos ovos da conquista de
um santuário ávido por ser violado e gerar riquezas - o pau-brasil assim
o exigia. Ao canibalismo dos índios o remédio era o extermínio, ainda
mais que não lhes aprazia os trabalhos forçados, investindo a Corte de
Portugal no papel de escravocrata para extrair vantagens conforme ação
entre reis confessa no Tratado de Tordesilhas. O que garantiu os frutos
mais podres a uma população que cresceu ludibriada, faminta e sedenta de
justiça.
300 anos se transcorreram e nenhum rei se dignou a dar uma
cagadinha aqui. Não tiveram a visão do atual papa, que derrubou o
comunismo e reforçou as costuras do domínio católico. Só mesmo o
inesquecível Napoleão para precipitar a nossa independência 14
primaveras depois de enxotar a caterva do real gabinete português. Foi
então que, ao se encostarem, os amigos do rei se transformaram em barões
do café, senhores de engenho e oligarcas esclarecidos na genérica
questão de criar fontes de sustento para dar o que comer a seus filhos,
que proliferavam no curso de uma miscigenação que, de um lado, atendia o
prazer do estupro permitido, e, de outro, a busca da alforria a qualquer
preço.
Brasão ainda identificável na elite dos tempos bicudos de hoje.
Depois de nascerem Edinho, Kelly e Jennifer de seu casamento
com Rosemary Cholby, vieram ao mundo os gêmeos Joshua e Celeste com
Assíria, da moita surgiu Sandra reconhecida pela Justiça, eis que
aparece Flávia, a sétima herdeira do Rei Pelé, fruto de um
relacionamento relâmpago. Agora se entende melhor porque Pelé fez
vasectomia e não pôde ter filhos com a Xuxa, confirmando a fama dos
mineiros de comer em silêncio, aproveita-se melhor o banquete,
“entende?”.
O trabalho como ocupação, ofício ou profissão para esses
nobres de araque da dinastia dos Pedros e da República Velha era
correlacionado ao braçal, prerrogativa da plebe ignara, gentinha que
nasceu com essa vocação, pois não sabia nem pensar, analfabeta que era.
Enraizou-se e consolidou-se uma mentalidade que, embora sujeita a
deformações causadas pela modernidade, permanece até hoje.
A mentalidade de conseguir a todo custo uma boca para
zerar o custo fixo. Para calar a boca dos agiotas. Para dar um trato
melhor com a mufunfa. Para garantir o leite das crianças.
Ao renunciar para se candidatar a presidente, o governador
Garotinho rememorou saudosos tempos como donatário de capitania
hereditária ou um Conde D’Eu qualquer - só pode ter sido um ato falho na
delicada cirurgia de encarnação, misturando alhos com bugalhos. Depois
de reinar por 3 anos no Rio de Janeiro, se autoconcedeu aposentadoria
vitalícia pelo teto máximo, 1 mil por cada 9 dos filhos, noves fora
escandalizando Moreira Franco que confessou ter requerido sua pensão
somente quando sentiu o peso de ser sexagenário, a despeito de sua cara
de ancião dispensá-lo de qualquer álibi.
Vivemos uma era de políticos que aumentam o patrimônio
cumprido o mandato, horrorizando o senador Pedro Simon que buscou
refúgio na ordem dos franciscanos.
Quem não anda atrás de uma boquinha nesse país? O
trabalhador é que não pode ser, não tem tempo durante a jornada de
trabalho ou no caminho para casa, muito menos ao longo de sua vida útil.
Ainda mais agora que o patrão FHC, no refrigério de suas 3 fontes não
muito católicas, cumpriu a promessa eleitoral de corrigir monetariamente
sua existência como operário, indignado com aposentadorias precoces de
vagabundos cinqüentões, pouco se lixando para a exploração de menores
que tiveram de trabalhar a partir dos 15 anos.
Após uma reflexão profunda sobre esse estado de coisas no
Brasil, Dionísio Aquino resolve fugir de helicóptero da penitenciária de
Guarulhos e fixar residência na Praia do Francês em Maceió, ao
reconhecer o estado de violência que grassa em São Paulo. Recapturado, o
artista foi vítima de sua sociologia, esfaqueado no parlatório quando
debatia com sua advogada as prerrogativas do cidadão diante do estado de
arbítrio nas prisões.