O PALHAÇO DA CORTE
30 de Setembro de 2002
Quem não conhece pessoas que sentem prazer
em ser o palhaço da corte? O palhaço no meio em que vivem, como aquela
dileta irmã sem espaço para transitar dentre irmãos machistas que
reproduzem o modelo patriarcal ao lado de sua mãe mingau. Somente sendo
palhaço para chamar a atenção sobre si mesma, tornando-se o centro das
atenções da família, a irmãzinha e filhinha querida.
O palhaço da corte, o elo da família por
onde todos percorrem e circulam, acorrentados a uma cadeia de fatos que
orienta, persegue e norteia a família no escoteiro um por todos, todos
por um. A palhaça da corte, a bandeirante que não se cansa de suar a
camisa em favor dos outros como uma amélia que canta Elton Medeiros e
Mauro Duarte, "uns com tanto, outros tantos com algum, mas a maioria sem
nenhum".
A querer ser popular, engraçada, aquela
que todo mundo deseja ser amigo, hipercomunicativa, as festas não
borbulham de ilusão sem o ar de sua graça. Ri à toa, excelente anfitriã,
de inata capacidade de liderança e bom trânsito com o sexo oposto.
Os palhaços da corte boicotam seus
relacionamentos por exigirem do ente amado se encaixar no palco do
palhaço, a exemplo dos segundos fora que assistem ao boxeador no ringue,
amoldando-se ao seu estilo de ídolo de pés de barro festejado,
acostumados que estão a mitificar para adorar seres sem substância onde
a carne e osso são pura balela.
Todos o convidam para as comemorações
natalinas, famílias o querem adotar, o guia turístico dos sonhos para
escolher restaurantes, fins de semana, programas e promover
aproximações.
O palhaço da corte, de tanto treinar,
acaba virando o bobo da corte. Não o verdadeiro, que fazia troça do rei
e o ignorante nem desconfiava, sim o falso, de quem todos têm pena com
muxoxos de que esse não tem jeito, cujo destino é terminar seus dias
sozinho, apesar do sucesso de público. É que o filão se exaure, esgota o
atrativo pelo qual tanto se esgoelam, o palhaço se consome em meio ao
descarte do tempo, apenas as crianças o preservam, enquanto não forem
adultas.
O palhaço da corte descrê de tudo, por
isso leva tudo na brincadeira, quem seria capaz de acreditar numa
relação de amor nascida da vergonha que um sente pelo outro? Quando o
pré-requisito é sentir admiração.
Interesses se misturam e podem dar samba.
Seja útil ou vantajoso, social ou material, desde que levante sua
auto-estima. Se ela anseia mover-se do pântano em que se encontra ou de
águas rasas que não a aproximam do horizonte, e se a danadinha é
inteligente, determinada em seus propósitos, por que não merecer uma
chance? Se ele sabe que é um bolha, que ninguém vai se interessar pela
sua essência, que no máximo vai pagar placê, por que não merecer uma
chance? Num instante de tamanha insegurança como esse, é importante que
ela agarre suas mãos e acaricie-as, ele erga a taça e brinde à sua
beleza, ambos se aproximem para eliminar barreiras, aparar arestas e
vencer preconceitos.
É o patamar de amor mais difícil de ser
galgado e alcançado, que torna sublime sua acepção e sagrada a concepção
no fruir de um futuro, sem espaço para egoístas contumazes, vampiros,
misóginos, vacilões e palhaços da corte.