TRÉGUA NAS DROGAS
03 de Junho de 2003
O Rio de Janeiro discute se cabe uma trégua institucionalizada
na guerra entre polícia e traficantes. A ponto de as incursões policiais em
horários de aula não porem as crianças em risco, ameaçando projetos sociais
em favelas. A bandeira branca deixaria a posição do Estado em xeque, à mercê
dos bandidos se aproveitarem de hora para guerra e paz. Se o pau come solto
sem intervalo para o comercial, balas perdidas destroçam famílias e torna
difícil disfarçar o estado de guerra. Na medida que a repressão aos seus
domínios aumentou, os traficantes se sentem acuados por restringirem seu
comércio, obrigando-os a assaltar prédios e bloquear vias públicas,
saqueando automóveis atrás de capital de giro para suas atividades.
Revoltados pelos prejuízos impostos, valem-se de furtos ordinários,
assassinam quem ousar não parar o carro ou reagir diante de jóias e dólares
surrupiados, não medindo se é juiz, idoso, criança ou deficiente físico - a
animalidade impera. Com polícia nem perdem tempo, uma bala na cabeça, é um a
menos.
A trégua desperdiçaria a maior chance que já tivemos de
combater a hipocrisia que regula os costumes do Brasil desde o seu
achamento. O hábito em pôr paninhos quentes, evitar o confronto a
todo custo, quanto mais o enfrentamento entre classes sociais. A
droga sacia a fome dos ricos em ver a vida mole, de cabeça para
baixo, o que acaba por associá-los ao exército do tráfico, cujo
poder para executar e se apropriar de ninfetas a seu bel prazer, os
transformou em senhores de guerra respeitáveis. Aumentando o risco
do país, o que fazer para se ombrear diante de eliminações sumárias
que desbancam o poder econômico?
Sempre nos escondemos atrás de uma cortina de
cordialidade, com as escolas de samba promovendo a amálgama da
sociedade, em que pretos-jóia e brancos remelentos fingiam costurar
os padrões de uma nova sociedade, como se pudesse mascarar o
processo de exclusão a cada brasileiro que nasce e sofre
dificuldades em sua formação, não o habilitando para um mercado de
trabalho que cada vez mais se comprime em função de parâmetros
exigidos pela eficiência empresarial.
A sociedade não está preparada para descriminalizar as drogas,
a atitude de filhos que assassinam pais sob o pretexto dos efeitos
da droga confirma o temor. Também não assimilaria brancos acima de
qualquer suspeita assumirem a frente do negócio legalizado, como já
não suporta a classe média engrossando a marginalidade.
Como enquadrar uma trégua, se as drogas impõem-se aos costumes
da sociedade, enquanto come o Estado pelas beiradinhas que nem
mingau?