PONTO DE MUTAÇÃO
03 de Novembro de 2003
Gabeira sempre foi um verde ligado a questões ambientais, reinventando
a estética das campanhas políticas com flores, cores, performances, arte e a
exaltação do prazer em ambiente de paz e amor. No lugar de tradicionais
passeatas e comícios raivosos e sisudos. Idealismo enriquecido, fruto da
reflexão e conhecimento, ao conduzir o metrô de Estocolmo. Depois de banido
do Brasil ao participar do seqüestro do embaixador americano nos anos de
chumbo. Retornou de pára-quedas no Posto 9 de tanga de crochê, anunciando o
crepúsculo do macho no contexto de uma vida alternativa, apontando novos
horizontes e colocando na berlinda conceitos de companheiros da esquerda,
hóspedes da utopia que pretendiam inaugurar uma nova Entradas e Bandeiras.
Gabeira sempre se portou como um gentleman, ao falar em outro
idioma com governos incapazes de entender os tempos modernos,
pautados pela ótica dos critérios de produção e distribuição de bens
materiais. Sem se acautelar com os riscos de alimentos transgênicos.
Sem se preocupar com a poluição decorrente da importação de pneus
usados ou com a contaminação das usinas de Angra. Sem falsos
pudores, a pá de cal no acesso aos documentos históricos do país,
obstruindo indenizações por conta de excessos da ditadura militar.
O que vai de encontro à imagem de doidão
plasmada no curso de campanhas para legalizar a maconha ou
descriminalizar a prostituição, reconhecendo a profissão mais antiga
do mundo como prestação de serviços sexuais. Quando, na verdade,
pretende escapar de um museu atrelado a novidades, cuja visão do
futuro se perdeu num produtivismo estreito sem a compreensão das
variáveis ecológicas, gerado por interesses do grande capital que
roda a bolsinha nas alamedas da Bolsa de Valores.
Aos 62 anos, Gabeira ainda sonha, imbuído de quimeras que
embalam paixões e detonam cínicos que só pensam com a mão no bolso.
Emudece sarcásticos que desdenham de ilusões por motivarem
paixonites que não levam a nada, pensando tratar-se de fantasia da
imaginação ou promessa vã de felicidade.
Há um conceito em voga que se exige a quem amadureça, como
reflexo, que se viva menos, com mais reservas, para evitar os
problemas decorrentes da inconseqüência e amadorismo da juventude,
que tenta pôr a vida na roda para brincar de cabra-cega. Num
mecanismo de defesa para evitar a possibilidade de sentir o amor em
toda a extensão, desde o delirar até o dilacerar. Ser maduro não é
sofrer com o amor, não é amar com aquela intensidade que arrebenta.
Temos direito a amar de forma cega apenas uma vez, senão corre-se o
risco de repetir e banalizar sentimento tão nobre. Aliás, o ideal é
não se apaixonar, ao se enxergar a inutilidade da entrega
incondicional, à mercê de outrem que não alcança a sua
sensibilidade.
Gabeira é o próprio ponto de mutação.