MULHER ARISCA
07 de Julho de 2003
Qual é o encanto da mulher arisca?
Procede de um pai que a tratava como um biju, orientando-a a se
relacionar com homens bem posicionados e se fazer de difícil, a
insistência em conquistá-la comprovaria o interesse - o
casamento como barganha. O que a encerraria e distanciaria da
realidade do mercado, pois não se pensava em separação ao
contrair núpcias. Se inevitável fosse a falência da união, a
tendência seria a de não se libertar do ranço da educação.
A arisca só quer saber de ciscar, receia não ser
de ninguém e ser de todo mundo. Faz-lhe bem as luzes da ribalta,
mas para livrar-se dos amassos, prefere trepar no carro
alegórico e mandar beijos para o seu séqüito. A despeito de toda
liberdade sexual, acaba por encolher-se ao atrair o típico ardor
do macho cobrir a fêmea. Reprime-se, procurando assegurar-se de
que não se transformará em “laranja” de relações trânsfugas que
aumentam o risco-Amor.
Ariscas são também notórias por fugirem logo que se apercebam
de que estão no seu encalço. Com seus olhos de gazela, espreitam
o mundo à sua volta, assustadas. Parece que soam sirenes
avisando do ataque inimigo ao menor sinal de uma lábia em verso
e prosa. Se pudesse, a gazela se abrigaria atrás do sol, onde
ninguém espera encontrá-la. A salvo dos raios solares que tornam
o amor uma ilusão de ótica. O que dá margem a levantar suspeitas
de que afinal aprendeu a se proteger e de que deseja evitar
queimar-se, uma vez que sua pele é extremamente sensível,
incompatível com o bronzeado que cega as mentes atraídas pelas
facilidades do crediário da beleza.
Não é pecado deixar de carimbar o leito que nos repousa. Mas
não se vive impunemente a brincar com o amor, à burocracia do já
não tenho mais idade para mexer nessas coisas, a entregar os
pontos por conta de algo que não dará conta. Senão a arisca
corre o risco de virar uma Barbie. Por que tamanho medo da
mitologia que cerca o amor? Apenas por ser puro, lírico,
repentino, esfuziante, arrebatador, perturbador, cortante,
distante, quase inalcançável?
Parece uma maravilhosa criança de nariz empinado, com ar de
santa. Exerce um fascínio irresistível por reafirmar a
desproteção de que se reveste e tenta esconder. Quanto mais
esquiva e desconfiada, melhor para entrelaçar destinos.
Sobretudo quando não confessar jamais haver amado alguém numa
dimensão transcendental.
Por guardar um único e verdadeiro temor: as avarias
generalizadas que a caça pode desencadear no caçador. Em virtude
da intempestividade do romântico, que vira o jogo e faz
prevalecer o sentimento sobre a razão, a imaginação sobre o
espírito crítico. Há que se manter a uma distância segura do que
ele interpreta como sentimentalismo visionário e sonhador,
desprovido do senso de realidade. Há que se manter a uma
distância crítica da paixão, que o faz perder contato com a
realidade prosaica e cotidiana. Há que evitar os desatinos
cometidos em nome do amor.
A arisca faz pensar e imobiliza. Palavras de Cupido.