MEU BRASIL INZONEIRO
08 de Dezembro de 2003
Pode-se cantar a história do Brasil por
diversas entradas e bandeiras. Escolher o Chuí ao invés do Oiapoque,
devido à influência da Revolução Farroupilha na abolição da
escravatura e na proclamação da República. Ao confrontar o Império
dez anos a fio, sob a influência de Garibaldi, o Che Guevara da
Itália, deixando filhotes nos pampas que reverteram a caudilhos,
confundindo a imagem de gaúcho como um chucro. Quando se trata de
dizer a verdade na cara, tchê!
Tal contexto ampliou a cabeça do Rio Grande, quando o mesmo
poderia ter acontecido com os pernambucanos, se os holandeses
tivessem miscigenado o seu colonialismo com o português, ao
assimilar a cultura de nossos indígenas à Companhia das Índias
Ocidentais e Orientais. Certamente Van Gogh não teria cortado a
orelha e morrido de fome, acabando seus dias em Porto das Galinhas,
como Gaugin no Taiti.
A nossa sorte foi os paulistas com as célebres
Entradas e Bandeiras, a explorar o Brasil e assumir a posição de
locomotiva. Visto que os cariocas acostumaram-se a mamar nas tetas
do Império e inspiraram Ary Barroso no mulato inzoneiro do meu
Brasil brasileiro. O uso do cachimbo fez a boca torta dos mineiros
ao explorarem o ouro: esconderam-no debaixo do colchão e sentaram em
cima, daqui não saio, daqui ninguém me tira.
Parir a identidade baiana não foi fácil, para onde levar a
miscigenação e o sincretismo religioso? Foram obrigados a
desenvolver o discurso, em verso e prosa, para tentar explicar suas
idiossincrasias. A emenda foi pior que o soneto, pois a mãe
menininha gerou filhos de Gandhi ao som de timbaladas em pleno
afoxé, desarranjando-se no acarajé. A senha para Gilberto Gil passar
a perna em Caetano Veloso e Jorge Amado e virar o guru da cultura -
o tropicalismo venceu, por fim.
Paraná e Santa Catarina, paraíso de imigrantes, só se
incorporaram à federação quando Getúlio Vargas os obrigou a falar
português. O estado do Pará, tão próximo da Europa, se afundou com o
ciclo da borracha e se isolou, a exemplo dos índios ianomâmis. O
Nordeste foi presa fácil dos coronéis que se aproveitaram da divisão
territorial do Brasil em capitanias hereditárias e partiram para a
política de ocupação, extraindo da seca o lucro com que manietou o
sertanejo na lenda de ser, antes de tudo, um forte.
Em suma, mataram Getúlio Vargas para gerar um Brasil menos
brasileiro e incorporar o avanço de culturas evoluídas à nossa
auto-estima, fazendo os militares crerem, posteriormente, que nos
transformaríamos numa potência de usinas atômicas e itaipus. Finda a
experiência, nos devolveram o país imerso numa guerra civil
disfarçada, em que assaltantes atacam a indefesa população
trabalhadora e fustigam os ricos encastelados. A discutir o tamanho
da pobreza, se a fome passa pela escassez ou desnutrição, se é zero
a fome ou o desemprego, se o analfabetismo é primário ou
fundamental, se nos desarmamos ou endurecemos com a marginália ao
som punk do baticumbum que doura a hipocrisia ao sol do verão.
Não se pode mais afirmar levianamente que o brasileiro não sabe
votar, já tentamos de tudo. Elegemos um mineiro para administrar a
herança maldita da ditadura, mas ele não resistiu e carimbou a
capacidade política de sobreviver a qualquer regime ou governo, o
mais discretamente possível, aglutinando um poder reconhecido como
imortal e acadêmico. Impichamos caçador de marajás, corrigimos a
demagogia com a plumagem tecnocrática e vendemos o país, além de
experimentarmos um presidente-operário que governa para o eleitorado
que não votou nele com seu um por cento de auto-satisfação.
A inevitável globalização porá o Brasil no seu devido lugar.
Ganha um doce quem adivinhar no que resultará a esperança, posto que
fé temos demais por sermos um país religioso e espiritualizado.
Basta volver a crença e pôr no curso do rio o sertão que irá virar
mar. Quando tudo parece perdido, basta levantar a cabeça e recuperar
a auto-estima, o horizonte quer beijar as nossas mãos, anseia por
ser conquistado, foi criado com essa intenção.