ESPIRAL SEM FIM
08 de Dezembro de 2003
Qual o seu preço? Quer pagar quanto? Se
olhou, gostou, pode levar! Tudo está a seu alcance. E a imagem de
integridade da Justiça indo para a cucuia. A sensação de impunidade
abala nossas convicções, a mão forte da Justiça sua espavorida de
vergonha por não dar conta do destrambelhamento de homens e mulheres
que não se pejam em legar um futuro corrupto a seus filhos. Enquanto
houver primeira instância, segunda instância, agravo, desagravo,
embargo, recurso, ir ao Supremo, enfim, tudo que se relacionar ao
direito de defesa do acusado e em havendo dinheiro para pagar aos
advogados, ele permanecerá livre pelo menos uns bons dez anos.
Juízes andam à solta. Relaxam prisões com alvarás de soltura
negociados no mercado negro do Judiciário. Escorcham empresários no
brandir de mandados de prisão. Vendem sentenças e engavetam
processos de ex-governadores, ex-senadores e qualquer um que se
disponha a pagar o seu peso em ouro. Com que falta de vontade se
rastejam às odes malufistas com medo de descobrirem o que já é do
conhecimento geral, fazendo ouvido de mercador para o descrédito e a
chacota.
Mandados de busca e apreensão encontram tesouros
das arábias, pilhas de dólares e euros, moedas de ouro de diversos
países, comprovantes de depósitos bancários, livros de capa preta
com a escrituração contábil das transações, além de nomes de
empresas e pessoas que pagaram à organização - o propinoduto - e
receberam o produto do assalto ao Estado.
É fato corriqueiro gravar as próprias conversas no telefone.
Ninguém confia em ninguém. Seguro morreu de velho, abrem-se dossiês
para incriminar um futuro inimigo que ainda é amigo, arte de guerra
desenvolvida pelo eminente filósofo Antônio Carlos Magalhães.
A voracidade com que atuam alcança até contrabandistas que
pagam em mercadoria viva, como televisões de tela plana, engrolando
delegados que viram temas de filme por se venderem barato no
festival de varejo que domina a repressão ao crime organizado. Com
detetives desse naipe, dá até para desconfiar que derreteram a Jules
Rimet. E a Taça do Mundo deixou de ser nossa.
Examinem se na campanha eleitoral para a OAB os nobres colegas
propugnam pelo fim do corporativismo. Por eliminar os focos e fazer
a assepsia da classe. Se preocupam mais em assegurar o direito de
defesa do que com o desregramento da ética advocatícia.
Hoje é praxe figuras eminentes do aparelho judiciário se
casarem entre si para aumentar a renda mensal da família. É quando
constatam que o que ganham não é suficiente. Atuam em Brasília, no
Piauí, Espírito Santo, onde pintar um bom negócio para soltar
traficante de drogas, adulterador de combustível, banqueiro. Nem
mesmo postos atrás das grades os magistrados deixam de receber seus
polpudos salários; na dúvida, pró-réu. Os mesmos vencimentos que os
levaram o procurar a livre iniciativa.
E pensar que impichamos um presidente da República pela
primeira vez e jogamos fora, como uma casca de banana, a chance de
ver um dos poderes atrás das grades. O caçador de marajás, no
inconsciente coletivo do eleitor, contemplando o sol nascer
quadrado. No entanto, o receio em quebrar o equilíbrio e a harmonia
entre os três poderes pesou na balança da Justiça. Afinal de contas,
nunca se sabe o dia de amanhã, um dia é da caça, o outro é do
caçador. O temor em ser futuro alvo de fritura, por mais que nada se
tenha a dever, tira o crédito nas instituições públicas e mantém a
corrupção aquecida, pondo o Brasil nas alturas quando se fala em
criminalidade. Ativa e passiva. Preta ou branca. Requintada ou
bárbara. Limpa ou suja. A que induz a um ato de violência, em
resposta, a título de cortar o mal pela raiz. E o crime atingir seus
objetivos.
No exame dos computadores pessoais de juízes foram encontradas
sentenças muito bem fundamentadas, que se transformaram em
obra-prima do gangsterismo que somente a caixa-preta do Judiciário
pode desvelar. Preocupados em fazer reparos à sucessão de um monarca
por um messias investido da figura de presidente, não olharam para o
próprio rabo e acabaram engolidos pela anaconda.