ENTREGA DO OURO
13 de Janeiro de 2003
Eis que o Brasil se africaniza e abraça a
cruzada contra a fome ao eleger Lula, depois de exaurir a última década do
século XX na tentativa de se inserir dentre as maiores economias do mundo,
uma megalomania ufanista que valera o insulto de antipatriótico e jurássico
a quem se postara em oposição. Chegamos a alcançar a marca histórica de
oitava economia, mas perdemo-la para Canadá, México e Espanha, na rabeira de
um esforço que consumiu nossos recursos no pagamento de juros de uma dívida
que cresceu ao montante de 60% do que produzimos. Devido à nossa
imaturidade, desprezamos a via do crescimento sustentado empreendida pela
Coréia, que nos ultrapassará, quando há 30 anos correspondia a apenas um
quinto da economia brasileira.
Portanto, a desvairada flutuação do câmbio foi
menos pelo risco Brasil do Lula e mais pela decomposição da alardeada
estabilidade da era tucana, cuja fragilidade não fez face aos
suprapoderes colocados à disposição de um presidente sempre bem
humorado, a rabanar o real manto vermelho de Doutor Honoris Causa.
Outro que perdeu o fôlego foi o maratonista
Abílio Diniz à frente do grupo Pão de Açúcar, prestes a completar 55
anos de atividade. Em tempo de capitalismo submisso à Senhora
Rentabilidade, através de uma leitura acurada do mercado, daquelas que
enxerga com olhos de lince se o risco do negócio comporta crescer ou
entregar o ouro ao bandido, a família decidiu desocupar os cargos de
direção e de mando efetivo sobre os negócios da empresa, tornando mais
transparente a administração para tentar atrair novos investidores.
Quando o sócio francês Casino, concorrente do
Carrefour na Europa, adquiriu um quarto do controle do Pão de Açúcar,
sabia em qual porta enfiar o pé e invadir a casa alheia. Mais dia menos
dia, sufocaria a empresa familiar pressionando pela profissionalização
como condição para realizar novos aportes de capital. Traduzindo o
economês: aumentar sua participação em ações com direito a voto, para,
no futuro, engolir o sócio que deu nome, tradição e dignidade na ventura
de um dos milhares de imigrantes que escolheram o Brasil como a terra da
esperança.
Bem digerido, prepararia para se consolidar como
empresa líder do setor no Brasil e partiria para desbancar o rival na
Europa, e depois, quem sabe, lançar-se a outro empreendimento mega. Ou,
se suficientemente milionário como os Diniz, vendê-lo, bastante
valorizado, para algum capitalista que nada mais faça senão comprar e
vender empresas, porquanto sustenta um time de profissionais regiamente
bem pagos para cuidar desses abacaxis.
Diniz nega peremptoriamente que irá entregar o
ouro, embora sua filha Ana Maria não esconda a tristeza ao ver escapar o
controle de suas mãos, a sucessão encarada como um direito real ou um
filho que se esvai. Nada que impeça seu pragmatismo de se aventurar em
outros projetos pessoais em sociedade com bem-dotados da irmandade
empresarial estrangeira, o dinheiro importa mais que o poder.
Importa sim manter o curso da astronave do
capitalismo no olho por olho, dente por dente, como bandeira para vender
os sonhos de um imigrante, pois Diniz comunga do mesmo descrédito no
sucesso de empresas familiares depois que elas adquirem certo porte. Põe
fé num capitalismo apátrida que circula por internet e ignora
alfândegas, para transitar o capital por onde ele proporcione frutos sem
correr o risco de ser seqüestrado ou depauperado por políticas sociais
que não cabem entrar no mérito do negócio.
Quando retiram o antigo patrão do trono e o
assentam num Conselho de Administração, a primeira conseqüência é deixar
de imprimir sua marca à gestão e passar a transmitir seus conhecimentos
sobre o negócio que mais conhece no mundo. Aconselhando, mas sem dar
ordens.
Engrossando a confraria dos tigres desdentados
que não enxergam um cerco que cada vez mais nos garroteia, isolados em
ilhas que se encontram, devotados aos seus interesses de rei Midas,
protegidos por grades, blindagem e seguranças, separados da massa por
obra e graça da incessante alienação encetada pelo meio editorial ao
promover livros de cabeceira do tope de “Seu Creysson - Vidia i Obria".
Tirando vantagem do charme do momento, de se
expressar sem o apuro na concordância e na regência, ou com a língua
presa, prejudicando o aprendizado já precário do 2º grau, sob o pretexto
incontestável de fazer humor. De mesmo conteúdo ideológico, estão na
bica para serem aprovados no Rio de Janeiro, fundos de combate à pobreza
e às desigualdades sociais, tornando gratuito laqueaduras e vasectomias,
pautados pela desculpa de se acabar com a pobreza na fonte e sob o
pretexto humanitário de diminuir o fosso que separa os que falam certo
do errado.
Somos um país de crentes em João de Deus, por
favor, poupem o Papa de mais esse desgosto, iria fazê-lo corar de
vergonha de seus fiéis brasileiros. Nada que não possa se resolver com
acesso à informação, uma leitura que distinga o preto do branco, uma
conscientização que eleve sua responsabilidade em conjugação com o
futuro. E emprego, para dar sustentação ao pacote cidadão.
Caso contrário, nobres deputados que defendem a
esterilização em massa continuarão a confundir vasectomia com castração
de animais, “o homem apenas deixa de ejacular na vasectomia, não acaba
com o interesse sexual”, quando o que não mais produzirá são
espermatozóides, que, na fisiologia deles, guarda profunda relação com
seus neurônios.
Até para a sinceridade há limites, é quando você
entrega o ouro para o bandido. Senão, abusam.