MANIPULAÇÃO
18 de Agosto de 2003
A traição é a matéria-prima mais
abundante na política, muito embora o eleitor procure a todo
custo racionalizar de forma a não ser enganado. Contudo, o
coração fala mais alto e não consegue evitar que até Brutus
esfaqueasse pelas costas seu pai adotivo, o imperador Júlio
César, mancomunado com outros senadores. Para pôr fim à
ditadura instalada na esteira de campanhas brilhantes que
ampliaram o império romano e o status político do cidadão.
Toda palavra, entonação e o modo como a empregamos gera
ambigüidades antológicas. O que é falado freqüentemente
esquiva-se com destreza, na medida em que o político se
ensaboa com o poder, cujo prazer suprime o tirocínio da
clareza e precisão. Tudo o que professa tem um coletivo de
significados que traz no seu bojo iguais ou maiores
conotações obscuras. Jogo de palavras, semelhanças,
apologias, discursos falsos, interpretações diversas,
divergências nas raízes, duplo sentido.
Redundam na manipulação. Que
começa no modo como escolhemos viver e nos transforma no que
somos. Que prossegue depois da morte, pretendendo interferir
na história oficial, pois, no ato de desencarne, viramos
ficção. E nada como amoldar o personagem à história que mais
nos convém.
Quando se manipulam remédios, a expectativa é de cura, mas pode
redundar em mal-estar se os efeitos colaterais retiram-lhe o
feitiço. A manipulação entorpece a memória, desencorajando a
ilusão de sabedoria. Baseia-se no direito de ir-e-vir de que
as idéias cambiam de época para época, não sendo reféns de
uma única interpretação autoritária de intelectuais
simplórios. A contradição é livre, se o óbvio lhe aborrece,
que se ejacule uma infinidade de discursos políticos de
significados conflitantes. Pouco importa se concorrem para
enroscar e fazer desaparecer o conteúdo.
A desconstrução serve como um martelo para desmantelar
ideologias que engessam a economia e afugentar para outro
mundo o espectro da ameaça de injustiças sociais. Com os
sem-terra, sem-teto, sem-isso, sem-aquilo. Importa mais
pagar as contas para que continuemos sendo aceitos no meio
deles. Sem as inconveniências do “grupo sem”, que aumentam
nosso risco.