PUREZA DE INTENÇÕES
19 de Maio de 2003
O que leva um senador a se
envolver em acusações de escutas telefônicas clandestinas que municiam
sua indústria de dossiês de cuja fama até Maluf foi vítima? No mesmo ano
em que renunciou ao mandato para escapar do julgamento de violação do
painel eletrônico do Congresso, incorrendo no pior atentado contra o
regime democrático: a fraude na votação. Um mito na Bahia que conseguiu
galgar, em 50 anos, quase todos os postos possíveis na política, exceto
a Presidência da República. A disputar com José Sarney a auréola do
maior nome das forças conservadoras do século XX, oscilando entre
autoritarismo, liberalismo e oligarquia, a síntese da manutenção do
status quo político-social.
Mas que continuam a embaralhar as cartas e se encher de
curingas, quando o plenário rejeitou o processo de cassação de ACM ao
tornar secreta a votação no affaire dos grampos. Liberando consciências
a serviço de conquistar fatias do Poder para negociar o que é do
interesse público ou de segmentos da classe dominante que procuram se
perpetuar em dinastias, cujo inimigo maior é o Destino. O mesmo Deus do
Senhor do Bonfim e de São José de Ribamar, que a tudo vê e interfere,
ora afaga com a mão direita, ora o abandona com a mão esquerda.
Valer-se de ordens judiciais para grampear
telefones de traficantes, inserindo 232 desafetos, à sorrelfa, debaixo
das ventas do Judiciário e do aparato policial da Bahia, achando que
nada vai acontecer porque Deus é brasileiro, deixa o eleitorado em maus
lençóis tentando decifrar o enigma do tirocínio de caciques políticos.
Ora se sentem humilhados e desprestigiados, ao assistirem o
destino de seus filhos, Roseana e Luís Eduardo, brutalmente cortados a
caminho do trono presidencial. Ora reagem, como personagens de Jorge
Amado, para reparar uma flagrante injustiça do Destino ao não coroar
percursos brilhantes, posto que homens de sua estirpe se reelegem com um
pé nas costas e exigem respeito em nome da história do Brasil que
escreveram.
O PT não se pinta mais para a guerra, seus tambores ressoam
para o seu umbigo, e multifaceta a moral vigente no poder. A senadora
Heloísa Helena defende a flexibilidade da lei para o fraco, firme para o
forte e implacável para o contumaz. Já o guerreiro zen Gushiken, com os
testículos e estômago extraídos para conter a metástase do câncer,
interpreta o discurso político: “não há pureza de intenções, o autor
oculta para não falar o que pretende; é preciso dizer sempre a verdade,
mas na hora certa”.