INDENIZAÇÃO
22 de Setembro de 2003
As avós da Plaza de Mayo, na busca aos
seus filhos e netos desaparecidos, ganharam a guerra, ao não
permitirem cicatrizar as feridas da ditadura militar argentina que,
sob o pretexto de caçar anticomunistas, torturaram e mataram 8 mil
presos políticos. Confissões de figuras sinistras surgem
demonstrando temor de breve ser a hora de prestar contas a Deus.
A França decidiu indenizar vítimas do nazismo na 2ª Guerra -
inclusive não-judeus -, massacradas por resistirem à ocupação,
tocando na ferida que sucessivos governos franceses optaram por
ignorar: o colaboracionismo do regime de Vichy. Que resultou em 99
pessoas enforcadas na cidade de Tulle após o desembarque das forças
aliadas na Normandia.
O Chile retira das catacumbas o espírito de
Salvador Allende e asfixia a alma penada de Pinochet. 30 anos
relegado ao ostracismo, 13 anos de martírio para Luciano Carrasco
quando, com 3 anos, presenciou seu pai ser arrancado de casa,
levando-o a se suicidar ao se culpar pela omissão cometida - um
trauma a merecer que Freud ressuscitasse. Obrigando o círculo da
direita a bancar o ceguinho diante de programas de rádio e TV -
armaram um show para canonizar Allende! -, chorando o leite
derramado.
Já pensaram se a moda pega no Brasil e passamos a indenizar na
boca do caixa vítimas de balas perdidas, chacinas policiais, falsas
blitz, torturas em presídios, filas de hospital. Aí o país toma
jeito, pois se pode responsabilizar civil e penalmente o alcaide que
toma conta desta birosca, impichando e cassando políticos que fazem
ouvidos de mercador aos amassos que a população sofre em ônibus,
cantos escuros e ruas mal iluminadas.
Muito otimismo? Se desde a Guerra do Paraguai tivesse sido
noticiado que os negros foram lançados na linha de combate e que
Solano Lopez foi derrotado pelos escravos brasileiros, à frente de
Duque de Caxias, os rumos do patropi seriam distintos do
autoritarismo com que o coronelismo e caudilhismo perfilharam o
Brasil. Daí a importância de indenizar as vítimas dos anos de chumbo
para deixar registrado na história oficial extermínios, torturas,
degolas e banimentos. Um estado de violência latente que permeia as
classes sociais e desmente a falácia de que o povo brasileiro é
pacífico e leva a vida numa nice, a ponto de ser carimbado
como boa-praça e preto jóia virar marca de feijão.
Indenização não repara vidas, mas pesa no bolso e na reputação
de políticos e instituições ilibadas. Representa uma saída para
combater a iminência de guerra e a violência generalizada. Por
comprometer até a raiz dos cabelos cínicos, psicopatas, trogloditas,
rufiões, que eventualmente ocupam o trono do poder.
Não se enterra o mesmo corpo duas vezes. Se Allende renasce das
cinzas e reacende o país, é porque a chama de seu espírito ainda
aquece as apreensões de que a História pode se repetir. Netos e
bisnetos não se contentariam com indenização, por já saberem, de
antemão, que estariam mortos.