BEIJO TÉCNICO
24 de Novembro de 2003
Beijo técnico é o beijo em que a língua
não pode interferir no desejo. Foi inventado pelos americanos,
quando seu puritanismo ditava as regras do jogo do show business.
Preocupados com o duplo sentido que o beijo inspira, se é por sexo
ou por amor. Hoje o beijo serve apenas para separar ficção da
realidade.
Também não é preciso exagerar como os brasileiros, que tiram
sarro a pretexto de sapecarem beijos técnicos. Nossos atores jamais
confundem ficção com realidade, de um profissionalismo exemplar.
Nunca lhes passa pela cabeça transitar das luzes da ribalta para a
ação no leito. Só se for a caminho de trocar as alianças, saindo de
cena de um casamento para entrar em outra enrascada, até que Deus os
separe.
Beijamos sexualizado, estalado, molhado, mordido
de furor uterino, até sangrar em cima e embaixo. Os beijos
prolongados nos iludem com a veracidade da paixão ou com o
romantismo que inspiram, devido à longevidade e arrebatamento.
Não se podia beijar do jeito que quisesse, reclamam os avós com
inveja. Também, ninguém testemunhou o que faziam detrás da moita ou
embaixo da escada. Ah, se as domésticas pusessem a boca no mundo!
Beija-se antropófago, ao se confundir comer com beijar. Parece
que falta comida em casa. Concentram-se em ofender o pudor e tirar a
tranqüilidade do “da poltrona”. Pretendem nos atar a fantasias com
eles, em sonhos impossíveis de realizar. E ainda por cima se
escandalizam se os tietamos e perseguimos. Suas vidas íntimas nos
pertencem se bolinam nosso imaginário, afinal de contas, temos o
direito de nos meter para saber se são de verdade. Se confirmado,
também queremos participar dessa orgia onde o falso pudor não nos
convence.
Moralismo não combina com novela, cinema ou carnaval. São
afluentes que correm para o mesmo rio, afins na arte que estimula o
beijo a nos convencer que o melhor é happy end, não é um
desfecho em aberto, é o beijo que provoca suspiros, à procura da
garganta profunda e de desmanchar-se em prazeres.
A quem serve o beijo técnico? O público quer ver o circo pegar
fogo. De beijo sem graça já basta os dados em quem ele não consegue
se desvencilhar. O telespectador ordena que haja emoção despida de
respeito, o proibido insatisfaz, a ficção está na obrigação de
demonstrar que o beijo é de verdade.