CONFÚCIO AINDA ESTÁ ENTRE
NÓS
26 de Maio de 2003
Confúcio viveu no século VI a.C
desenvolvendo idéias difundidas graças aos céus que conspiram a favor.
Essa falta de lógica quase coerente refletiria a grande força do
confucionismo. Quem poderia provar que estava errado, se, com astúcia,
poder-se-ia usar para provar que quase tudo estava certo. Ao longo de
sua vida pleiteou um cargo administrativo elevado para que pudesse
colocar suas idéias em prática. Imagine se os boas-vidas dos governantes
iriam dar uma chance ao desmancha-prazeres para interferir em seus
domínios. Ninguém emprega jovens sérios e honestos que acreditam ser
possível dividir o seu vasto conhecimento com o mundo.
Decidiu fundar uma escola que iria ensinar administradores
políticos a governar. Era essencialmente um professor de moral, como se
comportar de forma adequada se o que se desejava era governar as
pessoas. Primeiro, deveriam saber como governar a si mesmos. Obteve
sucesso devido à sua personalidade carismática com aulas ministradas à
sombra de árvores: “o homem superior é comedido em palavras mas não em
realizações”, “quem não corrige seus erros torna-se ainda mais errado".
No entanto, nem todas as palavras de Confúcio
foram banais, algumas são controversas, outras obscuras ou enigmáticas,
mas no fundo, “quem não conhece o valor das palavras jamais compreenderá
os homens”. Cadê o eco?
Sua educação certamente influenciou a arte de governar e cumprir com
as obrigações da mesma forma que um pai deve ter para com seu filho. Uma
revolução comportamental buscando o máximo na virtude, em amar o
próximo, o preceito moral mais profundo da humanidade, proferido por
Confúcio quinhentos anos antes do nascimento de Cristo, sem nenhum
sentido religioso.
Muitos alunos de Confúcio se tornaram
administradores de grande sucesso, assim que entravam em contato com a
realidade do poder, deixavam de lado seus princípios. Mal que ainda se
pratica hoje.
Desfez a lenda de que os governantes eram
descendentes de ancestrais divinos, atuando por decreto celeste. O
Estado deveria se tornar um empreendimento cooperativista, em benefício
de todos. Dissuadiu seus senhores de se envolverem em guerras
irracionais com cidades-estados escravas que rompiam constantemente suas
alianças para dar vazão a massacres, orgias e depravação, de forma a não
se reduzirem à miserabilidade de disputas sem-fim.
Se libertos desse sofrimento advindo da
violência, a sociedade fatalmente iria mudar, deixando de ser usada como
mero pretexto para os excessos de seus governantes. Paradigma do qual
não nos libertamos ainda.
Finalmente, aos 50 anos, foi nomeado Ministro do
Crime, e aplicou a pena de morte com tal rigor que os ladrões
desapareceram, estendendo-a inclusive àqueles que inventavam roupas fora
do comum a quebrar uma harmonia sempre respeitada nos costumes chineses
- Mao Tsé-tung, que o elegeu como o seu maior desafeto, o imitaria na
Revolução Cultural. Passou dos limites quando exigiu que nas províncias
os homens só andassem pelo lado direito da rua, para que não se
misturassem às mulheres, à sua esquerda.
A classe dominante não aproveitou o que seria
considerada a maior sabedoria de todos os tempos na China, sem aceitar
um único suborno ou jamais trair seu senhor junto aos seus inimigos.
Seus ensinamentos determinaram as normas de conduta e foram o alimento
espiritual da burocracia chinesa, se transformando numa religião por
força de sua moral e ética implantadas, o que certamente contribuiu para
a sua longevidade de mais de 2 mil anos.
A China de Mao extinguiu a China de Confúcio, em
que o tédio era uma benção, sossegadas as propinas e a infidelidade
política. Confúcio morreu lamentando que ninguém o entendia, julgando-se
um fracasso, “os únicos que jamais mudam são os sábios e os idiotas”.
Quem somos nós para contrariar alguém tão sábio?
Quem falou tanto em esperança e governa com medo
não tem uma escuta boa para Confúcio: “o homem realizado procura o que
existe dentro de si, o frustrado procura o que aparece nos outros”.
Necessita da aquiescência de fantasmas que já sentaram no trono e de
múmias que negociam poder, uns desmancha-prazeres que banem radicais,
evitando chegar à raiz dos problemas ao dar um tiro no pé.