QUE TIPO DE ESPERANÇA
VOCÊ PROJETA NO AMOR?
01 de Novembro de 2004
A edição de 15 de dezembro de 1929 da
revista La Révolution Surréaliste
já levantava essa questão que, por sua complexidade e interesse,
perpetua-se pela eternidade, porque é tão complicada quanto o sentido da
vida, formando significados e bordados impressos da existência por ser o
alento detonador do egoísmo, praga suprema da espécie e originador da
estupidez.
É o amor que põe em xeque nossa alma, quando a depauperamos ao
infantilizarmos o afeto e acionarmos a pletora de emoções que
disfuncionam e destrambelham o amor, comprometendo a estrela de
quinta grandeza que somos, pelas nuvens que almejamos alcançar.
Acreditamos que a força energética que move o universo é uma espécie
de fatalidade por um compromisso inarredável com a beleza, graças a
seu poder de síntese, de encantamento e de musicalidade. Ao nos
rendermos a um impulso cuja natureza desconhecemos. O mesmo impulso
que nos porá a trabalhos forçados na velhice - a rotina -, ao
isolamento na torre de um castelo, a suspirar nostalgia.
A angústia não perdoa, invade. Ao não
encontrarmos respostas para as grandes questões da vida. Ao não
conseguirmos pensar claro e contestar idéias simpáticas ao egoísmo.
Tomados por um estarrecimento que revela quão longe nos encontramos
da realidade, em que se acredita que nascemos pra isso: alegrar-se
até a exaustão numa lúdica paixão, tantos os destinos e as aventuras
que povoam a imaginação, tantos os cúmplices nessa inquietação
fundamentalista na busca de se adaptar ao mundo. Mal adivinhando
que, quando iniciamos essa escavação arqueológica para descobrir o
fio da meada, brotam tamanha hipocrisia, superficialidade e
indiferença nas relações amorosas, familiares e sociais.
Por fraqueza e na tentativa inútil de abreviar o tempo,
evitamos esse confronto ou responder à queima-roupa a essa pergunta
muito simples, consagrando a mediocridade num jogo de palavras sem
sentido que apenas ocupa o espaço para impedi-lo de fazer essa e
outras demandas que de nada adiantariam.
Eis que um casal se posta no sofá, conversando com outras
pessoas, ele à frente e ela recostada no fundo. O marido era quem
emitia opiniões, a essência do pensamento ditada por ele, cabendo a
ela repetir suas últimas palavras como um eco. Ela encarnava apenas
o refrão do verso, deixando os interlocutores constrangidos.
Tragicômica a indiferença dele por ela, e dela por ela mesma.
Ele precisando que seu discurso ressoe para manter o egoísmo de
pé, distante das vaias que começam a se acercar. A ela restando a
companhia insossa e estéril que um faz ao outro, numa
incomunicabilidade só que soprou o relacionamento pros cafundós e
apagou as esperanças em que projetaram o amor.