ESQUELETOS NO ARMÁRIO
01 de Novembro de 2004
Se a foto é de Vladimir Herzog, o clima é
de terror, humilhação e degradação. Se é de seu sósia, era uma operação para
desmoralizar o padre vermelho junto à comunidade católica. E nudez assim
exposta não ofende apenas a muçulmanos. Se assassinato ou suicídio, somente
o tempo se encarregará de colocar em pratos limpos - Pinochet que o diga. Os
relatórios e laudos a respeito transparecem a tábula rasa da psiquiatria, o
anti-semitismo mesclado à exaltação do arrependimento do comunismo pagão à
conversão democrata cristã.
A cúpula dos quatro poderes é enfática ao afirmar que não há
motivação para revolver os esqueletos do passado. Um malquisto
retorno à radicalização ideológica. Uma ação pequena reavivar
revanchismos. Corre-se sempre o risco de posicionamentos e
convicções ainda não terem falecido. Tudo que não foi bem enterrado
ameaça ressuscitar - Lázaro que o diga. Equivaleria a pensar que a
reação iraquiana corresponde à violência dos que recusaram o
diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade ao tomarem a
iniciativa de pegar em armas e desencadear ações terroristas numa
verdadeira cruzada.
Estimular discussões estéreis sobre conjunturas
passadas a nada conduz. Zero em História. O ministro Viegas piora ao
tentar tirar a matéria das páginas dos jornais para isolar a
história no meio acadêmico, a ser analisada por historiadores. Mas
como, se os registros operacionais da polícia política foram
destruídos? Só se algum cabo Firmino, funcionando como cabo Anselmo,
agir como um araponga ao revés. Em ato de contrição ou de
insubordinação, o que vem a dar no mesmo.
Bem que o serviço de inteligência do Exército poderia ter se
debruçado sobre os documentos da guerrilha do Araguaia, se ainda
existissem, para descobrir como os subversivos José Dirceu e José
Genoíno resultaram na atual política econômica submissa ao FMI.
Investigar a gênese do comunismo, a ênfase no combate à ditadura e a
rendição aos desvios burgueses, enfim, mergulhar no marxismo.
Imagine eles desfrutando dos arquivos da KGB para concluir, com os
olhos de hoje cravados no passado, que não valeu a pena os milhões
de vidas humanas sacrificadas se a Rússia de Putin vota em Bush.
Ficaríamos livres de ouvir que os arquivos da Aeronáutica se
consumiram no incêndio do Aeroporto Santos Dumont.
Imagine se Getúlio Vargas não tivesse preferido entrar na
História, o que não teria para dizer ao lado de Brizola no exílio?
Pois se a França esmiúça até hoje se Napoleão morreu envenenado, já
que pairava como uma ameaça à construção de uma nova ordem política
pós-absolutismo. Não foi por outra que o diplomata Sérgio Corrêa da
Costa somente agora publicou “Crônica de uma Guerra Secreta”, em que
detalha as ligações de Perón com o nazismo. Um feliz refúgio de
criminosos de guerra na Argentina em troca de engordarem as contas
de Perón e Evita na Suíça.
Nós sempre estaremos às voltas com as perguntas de quem somos,
de onde viemos e para onde vamos, preocupados com a nossa
identidade, em por que depois da guerra queremos fazer amor.
Não existe prazo de validade para tirar um esqueleto do
armário.