TIRO E QUEDA
02 de Fevereiro de 2004
É inadmissível que suicidas se atirem pela
janela com os olhos fechados. Têm que pedir “limpa”, no jargão de
bola de gude. Veja quem está passando lá embaixo e avise, se esgoele
todo, para não levar outros consigo. Quer ir embora, vai. Já vai
tarde! Mas não precisa levar quem não quer, e ainda tem muita coisa
por fazer, por mais que não consiga mudar o seu destino de burro de
carga.
Copacabana não me engana. O camelô foi atravessar a rua para
trocar o dinheiro do freguês e caiu-lhe no quengo um infeliz
egoísta. Uma desequilibrada não sabia o que fazer entre as quatro
paredes e foi procurar uma melhor sorte ao ar livre do 12º andar.
Tirou a vida de uma mulher, a duas quadras de sua casa, diante do
filho e da mãe.
Por essas e outras, o suicida é mal visto, tira
o humor de qualquer um. Por conta de que o exibicionismo no
derradeiro salto acrobático? Preferível a dignidade dos japoneses,
que se auto-imolam isolados em florestas, a natureza é mãe, o lobo o
diabo, a neve o leito, e Deus a testemunha.
Estrupícios que se suicidam, e assassinam. Se já se foram com
culpa no cartório, imaginem agravar a pena segundos antes de
expirarem. Não vai adiantar a desculpa surrada de que essa não era a
intenção, pois o inferno está cheio de boas intenções. Nem no
julgamento de sua causa serve como atenuante a carga pesada de sua
existência. Se as religiões condenam aquele que se mata, ignorando
se em caráter de protesto ou de fuga. Mesmo porque o desatinado
chama a si o controle da vida somente no extremado gesto, um gesto
de justificativa insondável.
Ninguém deseja morrer antes de seu tempo, muito menos a reboque
de suicidas inconseqüentes. Salvo se com a garantia de reencarnar
imediatamente em alguém próspero e amante, à prova de depressão.
Salvo se extinta a falta de generosidade com que brindamos nossas
amizades e relacionamentos. Por conta de uma competição que fere e
acumula ressentimentos que entornam o caldo, desvirtuando o caráter
humano que nos foi atribuído, deixando vítimas no solo da selva
urbana, onde outrora foi a princesinha do mar.