HERÓIS EM QUESTÃO
04 de Outubro de 2004
No Panteão da Pátria e da Liberdade,
localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília, se encontram os
bustos de heróis nacionais arrolados pelo Congresso mediante
critérios rígidos, desde que transcorridos 50 anos de sua morte.
São pouquíssimos, um esquálido retrato de quão pobre é o país
que cata heróis, como siris em manguezais, para se reafirmar. Zumbi,
do Quilombo dos Palmares, desafiando os escravocratas e preferindo
lançar-se de um penhasco a ter que voltar para o cativeiro, merece a
láurea máxima. Secundado por Tiradentes, o mártir da Inconfidência
Mineira que desafiou a Corte. D. Pedro I, ao proclamar a
Independência, esquecendo-se de que o mentor involuntário houvera
sido Napoleão ao defenestrar D. João VI de Portugal. Duque de
Caxias, ao responder com um genocídio a petulância do Paraguai em se
apropriar do Mato Grosso - a justa causa elevou-o aos títulos de
Conselheiro da Paz e Pacificador do Brasil. Marechal Deodoro da
Fonseca, o proclamador da República, fechando a raia no continente
americano quanto à extinção da monarquia e da escravatura, em que o
segundo dos pedros foi melhor que o primeiro.
Na lista de espera se encontram Getúlio Vargas,
agora visivelmente prejudicado por Olga, o filme, que revolveu a
lama dos porões do Estado Novo. Juscelino Kubitschek, cujo
sacrifício em favor da uma plena democracia só será reconhecido se
comprovado o assassinato pela ditadura militar. A grande surpresa é,
em nome do Acre, aparecerem dois nomes: o gaúcho Plácido de Castro,
responsável pela conquista do território que estava nas mãos da
Bolívia, e Chico Mendes, o seringueiro que introduziu o país numa
nova ordem sócio-ambiental com a disseminação de reservas ecológicas
- ambos assassinados.
Se a idéia era homenagear os construtores da liberdade em favor
da pátria e a lista ganhar uma dimensão que não provoca orgulho,
melhor seria optar por uma galeria de heróis desconhecidos, criando
um museu com suas histórias significativas. Como a do pequeno grande
herói de Erechim, Lucas Vezzaro, de 14 anos.
Um ônibus que transportava alunos da zona rural para escolas na
cidade caiu em uma represa com oito metros de profundidade. Lucas
estava entre os primeiros que conseguiram sair pela janela. Bom
nadador, começou a socorrer os colegas, em vez de procurar a
segurança da margem do lago. Primeiro, agarrou sua prima e a
arrastou para a beirada; a seguinte não sabia nadar e estava se
afogando; depois outra. Na quarta incursão não voltou mais. Os que
se debatiam debaixo d’água puxaram-no para o fundo.
Não podia ver ninguém em dificuldade sem oferecer ajuda. A
solidariedade como causa mortis, uma mudança nos padrões de
heroísmo.