ÓRFÃOS DE ÉTICA
10 de Maio de 2004
Suspiremos aliviados que agora podemos
generalizar sem medo de errar, perdemos o fio da meada da ética.
Parece o idoso que não sabe onde colocou seus óculos que se encontra
pendurado na sua testa. O cachorro que procura morder o rabo e não
alcança a maldita coceira.
Os campeões da ética já não são mais, confundem bingo com
víspora, não sabem contar o tempo de vida que lhes resta e são mais
ortodoxos que os judeus no combate à paixão por Alá.
A perda total e absoluta de valores a caminho de
reinventar o mundo, uma lição que se aprende nas ruas, nas sarjetas,
no Iraque, nos telefones grampeados, nas cloacas onde se combina
negociatas, com os seguranças que confundem boate com vale-tudo, com
batalhão da PM dividindo o butim com o exército do tráfico, com juiz
amigo de Sérgio Naya, com parlamentar que renuncia para evitar
cassação, com os disseminadores de vírus nos computadores, com os
filhinhos de papai a não entender porque possuídos de tanta
imbecilidade e... não conseguirem conquistar a garota de seus
sonhos.
Se morar perto de antro de ladrões, vai ter de fazer acordo
para não ser roubado, um plano de saúde extensivo a todos os seus
dependentes.
Se residir perto de uma boca-de-fumo, vai ter que fechar os
olhos, tapar o nariz e costurar a boca.
Quanto ao seu clube de coração, vai ter de aturá-lo como
barriga de aluguel por conta de uma lei Pelé, que, por ser cidadão
do mundo, legislou em causa própria, fez nossos ídolos, nem bem
crescerem, partirem em busca do a-e-i-o-u do mercenarismo e nos
deixar na saudade. Enquanto os torcedores se mantêm fiéis à tradição
de honrar a camisa, a do craque restou vazia, afinal, todo homem tem
seu preço.
De traições, infidelidades e congêneres, nem se comenta, por se
tratar da busca desesperada por um parceiro antes que se diga um não
a você mesmo e se acomode num varal de roupa velha que ninguém se
anima a passar a ferro.
Quando uma mãe com filhos, ou uma criança alvo de
desmoralizações diárias por parte de seus coleguinhas, se
transformam em homem-bomba, é surtar no Paraíso seguros da missão
cumprida.
Os pitboys enfiam a porrada nos que tiverem a audácia de
encará-los, por não suportarem a frustração de que não irão a lugar
nenhum nessa existência. Ao constatarem que seus desejos não se
realizarão, se viciam em anabolizantes, que aumentam a testosterona,
acelerando a freqüência cardíaca com um efeito igual a uma
bomba-relógio. O homem-bomba à brasileira, em nome de uma causa
impotente.
O brasileiro interpreta desmantelar hipocrisias como de caráter
agressivo e socialmente inconveniente; verdade, só à meia-bomba. Por
inteiro, ele não engole, precisa parar para pensar e se defender com
unhas e dentes. Soa como seu complexo de inferioridade. Atinge sua
auto-estima.
Bons tempos em que os pais eram obcecados em dar uma boa
formação aos filhos. Em aperfeiçoar a herança recebida. No ponto a
que chegamos, por onde começar?