CONTAR CARNEIRINHOS
13 de Setembro de 2004
Desde o tempo dos czares, a marca
registrada da Rússia foi sua política expansionista, na defesa dos
interesses imperiais na aquisição territorial para manter povos
incipientemente organizados como Estados sob sua tutela que, por sua
vez, procuravam disfarçar a submissão econômica, política e
cultural. A seu favor, a virgindade da Sibéria e a necessidade de
saídas para o mar. Tese reforçada pelo comunismo que convalidou a
geopolítica sob o pretexto da cruzada contra o imperialismo burguês,
consubstanciada em Stalin, o chefe supremo do poder, o czar da
ditadura do proletariado. O caldo de cultura nas estepes.
Eis que a democracia pede licença para entrar no ocaso do
comunismo e esfacela a União Soviética, restando repúblicas que
acreditam na integridade, poderio e riqueza da federação russa e
outras que se cansaram de pedir a bênção. Em foco, a independência
da Chechênia como mau exemplo, principalmente em se tratando de
petróleo e oleodutos que singram o território abastecendo aqui e
acolá. Cerca de 400 mortos em Beslan, após três dias em que
separatistas mantiveram 1200 reféns no primeiro dia do ano escolar.
Ouvindo o choro das crianças assustadas com os explosivos pendurados
por arames ou em cestas de basquete. Como negociar depois que as
explodiram ou atiraram pelas costas?
Os seqüestros tendem a se multiplicar, do Iraque
à Ossétia do Norte, pois não há como desencadear uma guerra
convencional nos dias de hoje. Para brigar de frente contra grandes
máquinas militares. Não sobreviveriam, e o que é pior, sob a
indiferença da opinião pública. Para comover e mobilizar, somente
vitimando inocentes, desprotegidos, gente miúda e idosa, forças
pequenas, fracas e irregulares na luta pelo sustento. O sucesso da
empreitada vai depender do fator surpresa. Crêem os terroristas que
só assim a massa acordará para descobrir quem é seu verdadeiro
inimigo.
Se Bush, Putin ou Sharon. Nas suas campanhas militares para
conquistar a paz, em busca de recompensa eleitoral sob a promessa de
segurança, geram violência pós-violência. Se as intenções são boas,
os inimigos são inteiramente maus. A única exploração possível que
faz a guerra ter sentido, avalizando a crença dos terroristas no
culto da morte para entrar no paraíso e ser livre para professar a
sua causa, num estado de elevação espiritual. Já que do lado de lá
não se discute nem se entra em choque, se descansa. Depois de
massacrar crianças.
A corda vai arrebentar do lado mais fraco, arriscado a morrer
como alvo de balas perdidas, bombas ou qualquer inovador ato de
barbárie que torne a vida conforme os políticos enxergam. No
primeiro ato, a seriedade do pragmatismo; no segundo, o blá-blá-blá
do oportunismo; no terceiro, a resignação. A partir daí, é melhor
contar carneirinhos e deixar o sono vir. A poeira entrar. A mais
longa das noites chegar.