CENSURA EM REVISTA
13 de Dezembro de 2004
A moral vigente na Hollywood dos anos 40,
exibida nas telas de cinema do mundo inteiro, uma amostra dos
padrões de censura a interferir no comportamento do ser humano. Com
reflexos sérios na libido, no que consiste a decência e na noção de
pecado.
Beijos de boca aberta não devem ser mostrados. A beleza do
corpo nu ou seminu não torna moral seu uso em filmes. Danças com
movimento dos seios e excessivos requebrados, enquanto os pés estão
estacionários, violam os bons costumes.
Adultério e sexo ilícito, ás vezes necessários
ao enredo, não serão tratados explicitamente, preservando a
santidade do casamento. Afinal de contas, amor impuro não deve ser
exibido como atraente e belo.
Sedução e estupro, apenas sugeridos, e somente quando
essenciais à trama. Não mencionar a palavra aborto. Não induzir a
simpatia da platéia para o lado do crime, do errado, a torcer pelo
Mal. Não exacerbar vingança nem o uso de bebidas alcoólicas. Não
retratar a religião com personagens cômicos ou vilões.
Como a mulher sofreu nesse tempo! Ser mãe é padecer no paraíso.
Só se ama uma vez na vida. Vai ver por que o seu filho está
berrando, recomenda o marido. Nem pensar a mulher sair sozinha para
passear, sinal de que estava se oferecendo. Deselegante a mulher
fumar e ficar jogando fumaça na cara dos outros. Decote, pernas, até
onde mostrar?
Se pudessem, ao menos, ter ouvido Anna Freud: “mentes criativas
são conhecidas por resistir a todo tipo de maus-tratos”. Certamente
se lembrariam dos seus tempos de criança, quando os rasgos de
personalidade ainda não denotavam sinais de domesticação. “Se você
já foi ousada, não permita que a amansem”, observaria Isadora
Duncan.
Todo o cipoal de leis, regras e recomendações a respeito da boa
conduta visam a inibir o exercício do amor. Se é bom ou mau, só o
saberemos ao final do interlúdio, do intercurso e do acasalamento,
que pedem passagem e moderação nos comentários para não interferir,
obstruir e negar um amor maravilhoso porventura nascendo. A censura
não tem o poder da onisciência e da futurologia, a respeito falou
mais alto a Jeanne Moreau de “Os Amantes” e “Jules e Jim”: “a idade
não protege contra o amor. Mas o amor, na medida certa, protege
contra a idade”.
Mas foi na década de 60 que as mulheres se libertaram de mães e
avós castradoras, além de maridos que lhes exigiam disciplina, em
que Nelson Rodrigues deixou de ser considerado um autor maldito e
boca-suja, enquanto Joan Baez deitava e rolava em Woodstock: “você
não pode escolher como vai morrer ou quando. Você só pode decidir
como vai viver agora”.
A censura não resistiu e morreu.