DE GEISEL A GIL
13 de Dezembro de 2004
Conflito ideológico na cultura. Guerra
entre cabeças pensantes sobre como gerir a cultura. Se a cultura
continua a evoluir dentro do atual nível da abertura ou se aumenta a
embocadura sob o risco de ferir interesses. Gilberto Gil e o
Ministério da Cultura num canto do ringue; no outro, Luiz Carlos
Barreto, sustentáculo do cinema, Cacá Diegues, autoridade inconteste
do bye bye Brasil, e Arnaldo Jabor, o ideólogo. Como pretexto, a
criação de uma agência que regule o cinema e as mídias audiovisuais
comprovando que a indústria do celulóide dá panos pra mangas na
política.
Do alto de sua experiência de recordista brasileiro de
bilheteria com “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, L. C. Barreto
assegura que as famílias em casa dão um retorno maior do que indo ao
cinema, o mercado de DVD está em franca expansão, o ofício de
produtor é mal remunerado e não vai ser um burocrata qualquer de
Brasília que fará leis sobre uma atividade que ele nunca exerceu.
Reclama que querem tomar conta do cinema investigativo e do cinema
de mercado, destruir as multinacionais do cinema e a TV Globo, logo
o Gil, um fruto da indústria fonográfica, que deveria reproduzir o
modelo da música na sétima arte. O chororô do Barretão ter mais vez
no dinheiro que patrocina o cinema brasileiro é a última música que
quer ouvir.
Como Gilberto Gil em desforços políticos parece
mais mineiro do que baiano, eis que José Celso Martinez Corrêa, o
consagrado diretor de teatro de “Roda-Viva” e “O Rei da Vela”, se
oferece para bater em todos, na defesa do que há de mais forte no
Brasil: a cultura. De peso maior inclusive do que a educação, a
ponto de superar as maracutaias do mesmo capital que demitiu Lessa
do BNDES por não rezar na mesma cartilha da política econômica e não
se comportar como um carneirinho. Por sua compreensão completa da
cultura brasileira, principalmente como fator de riqueza do país,
Gil revive Oswald de Andrade na ênfase à brasilidade pintada nas
cores de um regionalismo ainda desconhecido. Gil é a própria
realização de um projeto para cultura, dentro de um panorama de
letrados em que o interior de São Paulo é colonizado, o PSDB é um
partido jeca e o PT acomoda stalinismo, catolicismo e moralismo, não
deixando pedra sobre pedra, o Zé Celso.
Está em jogo uma política de mercado em que se negocia
livremente até onde você vai para eu poder chegar, sob o risco de
resvalar para o mercantilismo, ou uma política de maior atenção ao
pequeno produtor cultural espalhado pelo Brasil afora, mas que ainda
não dá lucro. Sob o risco de resvalar para o protecionismo e a
demagogia. Um dilema entre incentivar cada vez mais produções
grandiloqüentes como “Olga” e cortar pela raiz filmes que incomodam
como “Cidade de Deus”.
Está em jogo um novo round entre PSDB e PT no arraial em que a
estrela petista mais brilha, numa esfera que nem o Banco Central
ousa bancar o xerife. Inexiste arte na economia, em contraste com o
mito do Cinema Novo - e a sua estética da fome -, que ainda é a
referência do discurso cinemateca dos tucanos, quando já reverteram
ao sucesso capitalista.
Para qual lado Glauber Rocha penderia? Geisel ou Gil? A Bahia
falaria mais alto?