EFEITO DARLENE
14 de Junho de 2004
Por que a imprensa, tão preocupada com
leis que amordaçam e atentados contra a liberdade de expressão, não
se posiciona diante do efeito Darlene na excelente novela de
Gilberto Braga? Não se trata da “porção Darlene” que existe em cada
um, identificada pelo psicanalista Contardo Calligaris, em que todos
procuramos escapar à condenação de ser um zé-ninguém nessa
existência e nos enredamos num conflito ético sobre qual expediente
fazer uso sem correr o risco de parar no inferno.
Num panorama dominado por conflitos de hemisférios, países
emergentes escapando da fome e muçulmanos aumentando a horda de
desempregados, vale tudo para tirar do seu próximo, passá-lo pra
trás ou simplesmente despachá-lo, por uma questão de sobrevivência.
Afinal de contas, a Bolsa de Valores é um cassino que não se compara
com o bingo, rende fortunas, paga uma miséria de imposto, pouco se
dá para o nível de emprego, e especula com a nossa boa-fé e
alienação.
As denúncias veiculadas sobre o tratamento que a
imprensa escrita, falada e televisionada dá à informação é de fazer
o Roberto Marinho revirar na sepultura. A menos que se confunda
ficção com realidade - o álibi perfeito - e transforme “Celebridade”
num folhetim maniqueísta excessivamente prolongado por conta da
verba publicitária, a ponto de converter o mal num mal maior que a
realidade não comprova. Reflexão típica de quem não vê mais
televisão nem lê jornais, de saco cheio com tanta desgraça que o seu
telhado de vidro atrai.
No entanto, os cadernos de cultura de jornais e revistas são
tão pródigos em analisar as intenções dos diretores de cinema e qual
proveito os produtores tirarão, que chega a ser espantoso a
intelligentzia titubear em dissecar matérias plantadas, notícias
tendenciosas, fontes não confiáveis, o incensar de figuras que o
público desconhece e a coluna especializada cultua.
Até hoje se pergunta a que tipo de marido Buñuel quis
homenagear em “Bela da Tarde”. Com que intenções Kubrick filmou o
crepúsculo do casamento de Tom Cruise e Nicole Kidman em “De Olhos
Bem Fechados”? Aonde queria chegar Billy Wilder ao fazer Jack Lemmon
encontrar a felicidade através de sua porção feminina em “Quanto
Mais Quente Melhor”? Woody Allen sempre retratou a si mesmo e suas
neuroses nos filmes que dirigiu, e o fiel público bate palmas e se
identifica. E o que dizer de um cineasta como Pasolini, assassinado
por conta do conteúdo incendiário dos seus filmes?
Uma imprensa tão ciosa em explorar CPI’s que morreram no
nascedouro, escândalos que atravessam mandatos presidenciais e
homicídios nunca desvendados, não demonstra o menor interesse em
investigar suas mazelas, sinalizando um corporativismo que capta com
maestria em outros segmentos da sociedade. Preferem comparar quais
os presidentes que bebem mais. Se cabe o sexo oral no Salão Oval da
Casa Branca. Se o FHC pagou cachê para Clinton na inauguração do
instituto que leva o seu nome - iFHC, um primor de criatividade o
“i” pequenininho.