LEGÍTIMA DEFESA
16 de Fevereiro de 2004
A soma de ser delegado de polícia com
bacharel em Direito nem sempre dá bons resultados. Ao contrário do
que se pensa, pode jogar contra o patrimônio público. E nos
envergonhar por refletir uma sociedade que não consegue distinguir
ladrão de cidadão, ora elegendo-se para diversas Câmaras, ora
engrossando a fila de concursados para a polícia.
49 presos num setor de custódia do Rio, monitorado por TV’s,
fugirem sem ser incomodados por um buraco deixado para o
ar-condicionado, já é coisa de carnaval. Construir muros de concreto
entre as vias expressas que adentram o Rio - Vermelha e Amarela - e
as favelas, para proteger os motoristas de balas perdidas, aí é nos
remeter à guerra santa entre Israel e o mundo árabe. Os
proprietários de veículos, como judeus, segregando a população
favelada, como palestinos. Legítima defesa?
Foi o que alegou uma jovem pernambucana
seqüestrada em seu próprio carro num sinal de trânsito, junto com
sua irmã e uma amiga. Depois de estuprada e espancada pelo bandido,
ainda teve que vê-lo abusar das outras. O facínora pretendia
prevalecer-se de três mulheres ao mesmo tempo, tamanho seu complexo
de inferioridade. Se não fora a providencial mão de Deus fazendo sua
arma cair no chão. Na primeira vez em que ela manuseara uma arma,
matou. Com um único tiro, tão certeiro que o quadrúpede morreu no
local. Com o alvará de soltura no bolso.
Mesmo com as visíveis marcas de maus-tratos, o delegado
Claurinaldo, fruto do amor de Claudia com Rinaldo, decidiu prendê-la
na Colônia Penal Bompastor. Em uma única noite, violentada,
violentou-se ao dar um tiro que tirou uma vida e a encarcerou num
drama que não esquecerá jamais.
O que se passa pela cabeça de Claurinaldo? O chefe da Polícia
Civil, em idioma que envergonharia o direito romano, alega que houve
um deslize jurídico e o delegado enveredou por um caminho incabível.
Não é preciso ser policial nem advogado de porta de cadeia para
distinguir entre assassinato e legítima defesa. Tal engano o faz
merecedor de ser incluído na mesma estirpe do tarado, o ato falho em
solidariedade provocado pela crueza do justiçamento executado por
uma mulher. Pouco importa se foi em legítima defesa. Havia que
exemplá-la para reprimir o efeito dominó nas futuras vítimas. Merece
ser enquadrado por cumplicidade indireta - bateria o martelo um juiz
de pequenas causas - ou remetido a um hospital psiquiátrico para
tratamento de misoginia aguda.
Por qual lado do muro optar? Só nos falta invocar a legítima
defesa contra a polícia.