SINOS DO ORIENTE
20 de Setembro de 2004
Vivemos no continente das Américas,
submetidos a uma ordem hegemônica capitaneada pela América,
colonizados que fomos pelos europeus, sejam ingleses, portugueses,
espanhóis, holandeses ou franceses. Com o Ocidente sempre de costas
para o Oriente. Ignorando a civilização chinesa, que se formou como
nação a partir de 200 a. C. e nos legou bússola, carvão, chá, seda,
porcelana, pólvora, papel - Gutenberg só viria a imprimir a primeira
Bíblia 700 anos depois. Desconhecendo que a mitologia da Índia é uma
obra de arte comparável à grega e que há mais de 6 mil anos seus
deuses nos remetem à espiritualidade da reencarnação, do carma e da
meditação. Conceitos que chegaram ao Ocidente somente no século XIX,
através do espiritismo de Allan Kardec, de tão grande penetração no
Brasil de Chico Xavier.
Toda vez que os sinos tocam, badala em nós uma infinidade de
sensações e lembranças, e de cantar a música de Gilberto Gil “Se eu
quiser falar com Deus”: tenho que ficar a sós, tenho que calar a
voz, tenho que encontrar a paz, tenho que folgar os nós. A
tendência é de nos recordarmos dos entes queridos, vivos ou mortos,
com o passado não deixando esquecer momentos que ficaram gravados na
memória, restando o desejo de outros que não chegaram a acontecer.
Os sinos nos obrigam a entrar em contato com Deus para cobrar o que
é de direito, se nos achamos injustiçados, ou nos penitenciarmos num
ato confessional de improviso que escapa do controle férreo de nossa
consciência. Enfim, nos irmana e harmoniza com a natureza, dilui a
confrontação com o próximo e sossega os sete pecados capitais.
Toda vez que se fala de sinos, somos remetidos à
espiritualidade, à essência de nossa alma se vincular a propósitos
outros difíceis de serem alcançados na presente existência. Seja
qual for nossa crença, religião ou perspectiva de vida.
Mas os sinos já existiam antes das civilizações cristãs. Dentre
os chineses, mongóis e outros povos orientais que não só se
utilizavam dos sinos para convocar o povo local para comunicações e
decisões do interesse geral, avisar de ataque iminente de inimigos
ou coroar sagração de imperadores e casamentos. Também se observa
nos sinos orientais uma sacralização contida nos mantras entoados em
cerimônias budistas ou indianas que nos põem em contato com o
sublime e o transcendental. A fim de alcançar uma finalidade
considerada mágica.
Proveniente de uma mitologia em que se venerava o elefante
branco, uma das primeiras criaturas a emergir do oceano de leite
como um presente dos deuses na criação do mundo. A lucidez e
inteligência do elefante branco sempre foram respeitadas por aqueles
que o conheceram, embora nunca totalmente compreendidas. Sua mente
precisa e aguda foi uma barreira que as pessoas, muitas vezes por
suas limitações, não conseguiram superar - na mitologia indiana, o
racional não entra em choque com o irracional, ambos se
complementam.
Conta a lenda que um elefante branco foi posto a perambular
atrás de uma cidade fantasma cheia de tesouros - eufemismo de um
sítio onde você se livra de tormentos que impedem sua evolução. Uma
difícil jornada em terras perigosas atravessando desertos, florestas
e abismos. Nenhum trecho do percurso era seguro, de modo a se sentir
objeto de perseguição, já que o desespero corrói a fé. O sol
escaldante e as fortes tempestades de areia fustigavam a coragem do
elefante branco e acenavam com a desistência dos tesouros em troca
da segurança do lar deixado para trás - mas é melhor seguir em
frente e não virar estátua de pedra.
Até que o elefante branco parou no sopé da montanha de Doi
Suthep, em Chiang Mai, norte da Tailândia. Lá foi construído o
templo Wat Phra That, em 1383. Para alcançá-lo, uma escadaria que
parece ir ao céu ladeada por um corrimão em forma de serpente, belo
e assustador ao mesmo tempo. A grande atração do templo é um sino de
ouro de 24 quilates, num campanário recheado com outros sinos de
diversas dimensões. Sugerindo que se experimente o soar do gongo que
pode transportar aos confins dos tempos.
Vivemos sob o estigma de não sermos importantes, reconhecidos,
sequer vistos. Alguns até se consideram um zero à esquerda, perderam
a esperança. Mas, a qualquer momento, é possível se redescobrir. O
Oriente nos ensina a saber esperar. A saber captar os sinais que a
vida dá, a saber ouvir o que as badaladas dos sinos anunciam. A
apurar sua intuição, sem permitir que a racionalização no curso da
vida obstrua ou sabote tudo que valeu a pena aprender.
Com o Iluminismo, ingressamos na Era da Razão e nos
distanciamos do misticismo, os sinos no Oriente nos previnem. Assim
como o som aliciante dos muezins dos minaretes das 700 mesquitas em
Istambul, conclamando os muçulmanos às orações cinco vezes ao dia.
Assim como os sinos das 365 igrejas católicas em Salvador. Leva-nos
a mergulhar em nossa própria alma e conjugá-la com o Universo, com a
visão que cada um tem, pois livre é o seu arbítrio para formular os
princípios que tornarão sua vida mais digna.
Por quem os sinos dobram? Os sinos celebram o esplendor da vida
e também da morte, que, embora triste, faz parte do mesmo
espetáculo.