OCEANO DE
CRIATIVIDADE
22 de Novembro de 2004
Para quem acredita que o espírito não
morre. Tutelando, protegendo, guiando e assistindo essa imensa
população que, quando acorda, carece de orientação, perdida no
emaranhado de sonhos que se tornam pesadelos. Parecemos uma grande
estufa, constituída de plantas frágeis necessitadas de serem
regadas, podadas, adubadas e de levar um papo ao pé do ouvido. A
fragilidade é tamanha que exige uma operosa jardinagem, mal contendo
segredos, recados passados e impressões que exigem um despojamento
de todas as convenções para captá-los na exata extensão do conteúdo.
Mais não conseguimos por sermos corações alados embrulhados nos
velhos mantos da ilusão. Por isso, giramos à mercê de
meias-verdades, subestimando as conseqüências dos terríveis enganos
a que submetemos o próprio coração. A cada passo dado, se respira
para recuperar o fôlego.
Como se bastasse nascer em berço esplêndido para conquistar
títulos sem maiores dificuldades. E nunca avaliar a generosidade e
sacrifícios feitos em seu favor, retendo esposa e filhos nas malhas
do egoísmo, e assim organizar o lar infenso a qualquer intruso que
traga inquietação. Aferrado a uma situação estável que garanta a
tranqüilidade econômica de sua família, colhe as bênçãos da vida e
goza-lhe os bens. Mas eis que o castelo do exclusivismo balança,
balança, mas não cai. Começa a sentir um vazio, arranhado por
espinhos de tédio, ao abandono de suas criações caprichosas, em nada
retribuindo nem contribuindo. Uma sensação de tempo perdido lhe
invade e obscurece sua trajetória. Imaginemos se, nesse exato
momento, a existência se dissipa e você se despede com a silenciosa
acusação da consciência, despreparado para ouvir verdades que não
toleraria em vida, num rio cuja correnteza é movida por mágoas
improcedentes. O aprendiz à procura da mãe para queixar-se, choroso,
de suas dores.
Eis que então portas cerradas se abrem,
revelando vida e trabalho, continuidade e justiça onde imperavam
dúvidas e suposições. Como na cabeça do marido que não aceita que
sua mulher o abandonou e se completou com outro. Como na cabeça dos
pais que não aceitam o desaparecimento precoce do filho. Como na
cabeça do filho macerando as saudades dos pais cuja lembrança restou
nas fotos. É nesse cenário que temos tudo para vencer o orgulho e
egoísmo. Quando pensamos em não ter mais nada, não vislumbramos
futuro, aí encontramos o melhor presente.
A realidade é captada pela percepção dividida em dois
hemisférios cerebrais. O esquerdo nos permite ter a visão do mundo
físico, imposto pelas leis da matéria, através da ciência e a nos
conduzir pela razão. O direito, o mundo imaterial, invisível, fora
do tempo e do espaço, por entre tudo e a tudo interligando.
Portanto, não se concebe os mistérios da vida passando como um
filme, apenas a exigir que se quebre a cabeça para decifrá-los, e
simplificá-los com um “não acredito” ou “não faz sentido”.
Francamente, espera-se mais de cabeças privilegiadas e mentes
brilhantes, opiniólogos de estirpe, que se manifestem agora ou que
se calem para todo o sempre, pois se trata de familiarizar mais com
as coisas do espírito. Não são coisas do outro mundo, são daqui
também. Pois se amor e ódio guardam um vínculo estreito, o que não
dizer de vida e morte? Como a espiritualidade, que por si só se
explica.
Já era o papo de a morte mandar aviso, com tanta bala perdida
zunindo e homens e mulheres-bomba se encarregando de diminuir a
população. Minorias, que são maioria, descobriram como transformar
em inferno a existência da maioria, que é minoria de fato. Essa é a
senha para o século XXI.
Praças de guerra surgem todos os dias, pois dia chegará em que
senhores da guerra, eleitos pelo povo clamando segurança, se
sentarão à mesa de negociações com os terroristas em nome da
salvação do planeta. Senão, aumentar-se-á o risco em exponencial de
nos despedirmos dessa para uma melhor. E o que é pior, sem entender
nada do que aconteceu quando atravessarmos o portal.
Por que eu? Por que tão cedo? Que fiz para merecer tão pronto
regresso? Raciocínio linear e finito de quem ama tanto a vida e não
quer se mandar desse espetáculo. Sem abrir mão de nada, sem dar a
mão à palmatória, sempre achando que seu gênio tem de prevalecer,
desperdiçando chance em cima de chance para descobrir tardiamente
que deixou escorrer por entre os dedos amizades e amores que
consumiram seu tempo útil e nada tinham a ver com seu espírito.
Espírito esse que nos habita, louco para que acreditem nele, e
almeja trazer luz ao “conhece-te a ti mesmo”, conforme previra
Sócrates. Mas a razão, burra, obsta enquanto ainda não o entende, o
configura e desenha sua imagem. Patinando, escorregando, perdendo a
espinha dorsal e desorganizando as funções fisiológicas, que se
deterioram não somente pelo excesso de uso, mas pelo desgaste mental
no acúmulo de descaminhos e desilusões.
Por vezes, o espírito não suporta tamanho desvario com sua
potencialidade que esgota seu tempo físico, apesar de infinitas suas
possibilidades para construir uma obra maior. Morrendo na praia, o
que se traduz numa pífia superficialidade, quando podemos nadar num
oceano de criatividade.
Somente recorrendo a vidas passadas, como Lao Tsé, para
interpretar o presente: “Como os grandes rios e as marés dominaram
as centenas de rios menores? Sendo mais baixos que eles".